30 de dezembro de 2006

O Novo Papel dos Magistrados

Não há propriamente um novo papel a ser desempenhado pelos magistrados, que continuam a ter que dizer, em sua maioria e na maioria das vezes, o direito aplicável ao caso concreto. O que se alterou drasticamente foi o ambiente em que a atividade jurisdicional é exercida. A realidade é cada vez mais complexa: as relações jurídicas se multiplicam, a produção normativa se agiganta em volume e complexidade, está em curso também uma explosão de litigiosidade. Tudo isso faz aumentar o protagonismo do Judiciário.

No Brasil, o Poder Judiciário não estava preparado para responder adequadamente a tais demandas. Como essa resposta adequada é essencial para o equilíbrio do regime democrático e para o asseguramento do direito ao desenvolvimento, tem-se que consertar a roda enquanto ela gira. Abstraindo-se do problema estrutural, consideramos que muito pode ser feito. Como já dissemos, a Administração Jurisdicional, principalmente a afeta à gestão dos gabinetes de trabalho, é fundamental nesse quesito.

O primeiro tabu que deve cair, para que a gestão dos gabinetes de trabalho flua, é o de que o juiz faz tudo, que é ele quem redige de próprio punho todos os despachos, decisões, sentenças, relatórios, votos e acórdãos. Basta calcular a produção diária de qualquer órgão jurisdicional, para que se chegue à conclusão de que o número encontrado vai além da capacidade de produção de qualquer ser humano tomado isoladamente, por mais preparado que ele seja.

Esse reconhecimento se faz necessário para que se possa encontrar soluções de gestão dos gabinetes com base na realidade como posta e não sobre uma fantasia e, assim, se possa colocar de fato o magistrado na direção jurídica efetiva de sua equipe. Os juízes que negam a todo custo essa realidade perdem a oportunidade de desempenhar bem o seu papel na sociedade de hoje. Aliás, os gabinetes de trabalho têm de se abrir. Parar de girar em torno do próprio umbigo e buscar soluções fora de seu âmbito restrito. Como disse alhures, é fundamental que se passe a promover encontros em que se discuta meios de administração dos gabinetes. Isso em nada vai afetar a independência dos magistrados e sim, ao contrário, irá reforçá-la, pois tornarão eles mais aptos a fazerem frente ao seu papel tradicional no mundo de hoje.

Não se quer, obviamente, que os juízes sejam reduzidos a técnicos administrativos. Não e não, eles devem dar continuidade à sua missão institucional de agentes de um dos Poderes da República. Mas se o movimento de melhoria na gestão dos gabinetes não se der, a própria missão institucional dos magistrados estará sob risco e, à reboque, a democracia e o desenvolvimento.

21 de dezembro de 2006

A Informatização do Processo Judicial e a Administração Jurisdicional

A informatização do processo judicial, recém-regulada no Brasil pela Lei 11.419 , de 19 de dezembro último, constitui uma macrorreforma que representa um avanço. E o principal avanço da lei não está na economia de dinheiro que poderá proporcionar, conforme noticia esse post. Mas na sua capacidade de alavancagem da celeridade na prestação jurisdicional. A informatização do processo não torna prescindível, como é óbvio, a organização do acervo de processos virtuais, a leitura das peças processuais e o trabalho mental de confecção de despachos e decisões. Mas pode facilitá-los sobremaneira. Desse modo, se acompanhada do gerenciamento do órgão jurisdicional a que fiz alusão no meu post anterior, o prognóstico é alentador. Do contrário, a confusão de papel tão-somente se transformará numa barafunda de bits.

Voz Lusitana sobre os Meios Alternativos de Composição

Estou melhor agora. É que me sentia totalmente isolado na minha opinião sobre os movimentos radicais em prol dos meios alternativos de composição dos conflitos, mais precisamente a conciliação . Mas eis esse contundente post que encontrei em terras lusitanas! Nossos parabéns ao seu autor, Miguel Reis.

Administração Jurisdicional e Macrorreformas do Sistema Judicial

No post anterior elegi a Administração Jurisdicional como o ponto crítico que merece ser atacado urgentemente para que se acelere a prestação jurisdicional. No entanto, não fui muito preciso acerca do objeto da minha escolha. Falei genericamente em órgãos jurisdicionais. Ocorre que esses órgãos são, por sua vez, divididos em secretarias processantes e gabinetes dos juízes. Ao me referir à urgência tinha, e tenho, em mente principalmente a gestão dos gabinetes de trabalho dos magistrados. Ou seja, para mim, o ponto nevrálgico, ou melhor, os pontos nevrálgicos estão lá.

Penso assim por uma razão muito singela. Os grandes gargalos do sistema estão justamente nos gabinetes. É lá que os autos processuais se acumulam. Uma vez que tudo está, em tese, concentrado nas mãos dos juízes. Desse modo, dever-se-ia promover um movimento de otimização do funcionamento dos gabinetes concomitantemente com as reformas macro-estruturais. Penso que há um perigo considerável nas reformas como estão sendo produzidas. Acompanhadas do estardalhaço e das promessas que lhes são imanentes, essas reformas macro-estruturais podem, se levadas a termo isoladamente, gerar uma enorme frustração e, por conseguinte, um grave mal-estar e instabilidade sociais.

A anteposição das macrorreformas às microrreformas são como a construção de arranha-céus sem as necessárias fundações. Não direi que, no nosso caso, o prédio ruirá, mas, com certeza, serão gastos muito mais recursos do que os que seriam despendidos se o problema fosse equacionado com as variáveis micro-estruturais tendendo a constantes.

16 de dezembro de 2006

De que Administração o Judiciário mais necessita

Muito vem se falando na importância da Ciência da Administração para o bom andamento do Poder Judiciário. Para que ele fique mais ágil e eficiente. Eu mesmo na postagem anterior falei disso. Afirmei que tenho por necessária a presença de administradores de peso entre os Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça.

O que eu não disse na ocasião e não vejo quase ninguém dizendo é que tipo de administração mais necessita o Judiciário. Denomina-se Administração Judiciária a aplicação da Ciência da Administração ao Poder Judiciário. A Administração Judiciária é gênero que comporta três espécies: a Política Judiciária, a Administração Judiciária em sentido estrito e a Administração Jurisdicional.

A Política Judiciária constitui-se das decisões dos Agentes Políticos (Constituintes, Legisladores, Presidente da República e a Alta Magistratura) acerca dos objetivos, estrutura e estratégia que devem reger o Poder Judiciário.

A Administração Judiciária em sentido estrito cuida do que se chama área-meio. Administração de pessoas, financeira e orçamentária, de material e patrimônio, etc., tudo isso é Administração Judiciária em sentido estrito. Como se vê, seu objeto mais se assemelha ao da Ciência da Administração convencional.

A Administração Jurisdicional, por sua vez, cuida da área-fim. Procura respostas a questões relacionadas à produtividade dos Órgãos Jurisdicionais (Tribunais e frações, Varas e Juizados Especiais). Ou seja, busca soluções para que o Judiciário seja mais rápido e melhor a um só tempo. Para isso, pode valer-se da gestão por processos, da gestão do conhecimento, etc.


Todas as espécies de Administração Judiciária são muito importantes. Mas elegemos, por ora, a Administração Jurisdicional, porque consideramos ser esse tema o mais urgente, uma vez que de nada adianta uma política ótima e uma administração da área-meio azeitada se a área-fim não funciona.

O problema na Administração Jurisdicional é que cada magistrado tem autonomia e não faz parte da cultura desses operadores do direito a troca de experiências, não obstante algumas exceções. Os Juízes costumam muito ir à congressos jurídicos e congêneres, mas não sentam para discutir a administração dos órgãos que estão sob sua responsabilidade.

Acreditamos ser papel do Conselho Nacional de Justiça promover em âmbito nacional esse tipo de debate. Vamos torcer, jogando, para que isso ocorra de fato.

7 de dezembro de 2006

O formato ideal do Conselho Nacional de Justiça

Hoje foi postado o primeiro comentário do blog. Muito obrigado.

O autor do comentário, anônimo, me pergunta se eu concordo com o atual formato do Conselho Nacional de Justiça - CNJ e sua composição e, caso não concorde, qual seria o meu modelo de controle externo.

Antes de mais nada, gostaria de esclarecer que não há controle externo no Brasil. O CNJ é órgão que compõe o Poder Judiciário e a maioria de seus membros são da magistratura. Portanto, é um equívoco falar em controle externo.

Quanto à pergunta, talvez ela tenha se originado de um comentário que deixei no blog do Reinaldo Azevedo da Revista Veja, mais precisamente no post sob o título "CNJ era para ser solução e, até agora, só causou problema. STF barra primeira batatada do órgão". Disse lá que nunca entendi o porquê de, sendo o CNJ o órgão administrativo máximo do Poder Judiciário brasileiro, não haver nele um administrador sequer. E mais: disse que o que falta ao Judiciário são administradores competentes com o poder de administrar de verdade.

De fato, isso me causa uma grande perplexidade. Afinal, o art. 103-B, § 3º da Constituição estabelece como uma das competências do CNJ zelar pela observância do art. 37 também da Constituição, que, entre outras disposições, determina que a Administração Pública será regida pelo princípio da eficiência. Ora, a eficiência administrativa é fundamental e somente pode ser alcançada com a aplicação da Ciência da Administração. Se você for ao site do Conselho e der uma olhada nos cúrriculos dos Conselheiros, não verá ninguém com formação em Administração, muito menos com uma formação de gabarito nessa área. Todos são juristas. Nada contra a presença majoritária de juristas no CNJ, pois muitas das suas competências são ligadas ao Direito Administrativo. Mas a composição exclusiva do Conselho por eles não me parece uma boa opção. Gostaria de ver lá um executivo com capacidade comprovada (e nosso país tem vários). Uma alternativa seria trocar o requisito de notável saber jurídico para os representantes da sociedade pelo de reconhecida capacidade administrativa.

Mas o problema principal nesse ponto não é de forma, é de essência, é cultural. A maioria dos magistrados tem uma idéia do que é administrar muito distante da que se saiu vitoriosa e que é praticada na iniciativa privada (para saber mais sobre esse distanciamento ver o artigo Administração judiciária: planejamento estratégico e a reforma do Judiciário brasileiro de Claudia Dantas Ferreira da Silva). Não conhecem e, portanto, não aplicam métodos consagrados de administração, como a gestão do conhecimento, a engenharia de processos, a gestão por competências, o planejamento estratégico, etc. As práticas que nossos juízes adotam são tão arcaicas e arraigadas na cultura da corporação que debelar o nepotismo, por exemplo, está sendo um parto muito custoso!

Desse modo, caro leitor, o problema é bem mais complexo e mais relevante que o de determinar o formato deste do daquele órgão. Se bem que o formato pode dificultar práticas corporativistas, mas aí teríamos que partir para uma nova constituinte, o que é uma faca de dois gumes.

Um Sete Um Judiciário

O Conselho Nacional de Justiça - CNJ promoverá amanhã, dia 8 de dezembro, como parte do seu Movimento pela Conciliação, o Dia Nacional de Conciliação. Nesse dia comemora-se o Dia da Justiça. O que me pergunto é se o Movimento pela Conciliação e, em conseqüência, o Dia Nacional de Conciliação são dignos do alto nome da Justiça.

Vários são os meus motivos. Mas o principal deles, que se refere diretamente ao Movimento pela Conciliação, é análogo ao princípio de que "ninguém poderá valer-se da própria torpeza". É claro que não estou dizendo que o Conselho está sendo torpe. Entretanto, ele está se valendo da lentidão do Judiciário para esvaziar as pautas de julgamento. Qual é o jurisdicionado, pobre ou rico (principalmente o pobre), que não considera justamente a morosidade do sistema judicial no momento de fazer um acordo com a parte contrária?

Para embasar a minha opinião, seriam necessários alguns dados. Provavelmente, esses dados não serão entabulados ou sequer coletados. Seria preciso perguntar aos jurisdicionados que se conciliaram convencidos pela campanha do CNJ o porquê o fizeram. Também seria preciso cruzar o número de conciliações com a produtividade (velocidade) de cada órgão jurisdicional (nos órgãos que julgam mais rápido haverá menos conciliações?). Por fim, saber como se comporta a curva do gráfico quantidade de conciliações versus acervo do órgão conforme o processo esteja mais próximo de uma solução definitiva (será que no 1º grau haverá mais conciliações que nos tribunais de 2º grau e, nesses, mais que nos tribunais superiores?).

Para reflexão, um exemplo limite: imagine-se gravemente doente, muito idoso ou em qualquer outro caso de necessidade e que você tem sedimentada a jurisprudência a seu favor, mas o seu processo encontra-se ainda no 1º grau de jurisdição depois de 8, 9, 10 anos de proposta a demanda, o que você faria?

É dramático para um país que se diz um Estado Democrático de Direito tolerar esse tipo de coisa, quanto mais promovê-la, e desesperador para os seus cidadãos não poderem contar com o Estado-Juiz quando têm os seus direitos desrespeitados. A saída não pode ser essa, defintivamente.

4 de dezembro de 2006

Para começo de conversa

Todos sabem da importância do Poder Judiciário. E todos sabem que ele passa por uma crise que não é de hoje. Sem contar as mazelas da corrupção, que são um caso de polícia, a morosidade do sistema judicial atormenta a quem dele necessita recorrer e beneficia os virtuais infratores da ordem jurídica, além de ser fator de instabilidade social e econômica.

Mas a solução dos problemas do Judiciário que levam à ineficiência do sistema não é fácil. Se fosse ela já teria sido posta em prática e tudo estaria resolvido. Há muitos complicadores: de ordem política, de cultura organizacional, processual, administrativa, etc.

Na verdade não existe a solução: um messias ou um caudilho que resolva tudo numa só paulada. O que deve haver é um processo. Um desencadear de propostas e experimentações. Mais ainda, é necessário que as idéias saibam da existência umas das outras e que, em um passo adiante, dialoguem.

A Inteligência Judiciária é o resultado do diálogo dessas idéias e é ele próprio. E mais proveitoso ele será quanto mais forem os envolvidos no debate e nas experimentações. Como se pode perceber, a Inteligência Judiciária é uma Inteligência Coletiva orientada a um objeto: a melhoria do sistema judicial.

Este blog pretende ser um divulgador crítico das idéias e projetos meus e os existentes por este Brasil afora. Pretende ser também e principalmente um gérmen de um fórum de Inteligência Judiciária. Assim, ele não teria sentido se fosse obra de um só. Para tanto, convoca você a participar. Deixe seu comentário, informe-nos de inciativas e idéias, dê sua sugestão para o blog, critique-nos, etc.

Vamos lá, então.

 
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