21 de janeiro de 2007

O Conselho Nacional de Justiça e o Decesso do Judiciário

melhor visualizado no Firefox.

Publico aqui outro trabalho meu, apresentado em curso que fiz sobre a Emenda 45 .


O Decesso do Judiciário

e o Conselho Nacional de Justiça
- setembro de 2005 -


1. O Decesso do Judiciário[1] e a Gestão dos Órgãos Jurisdicionais

Estabelece o novel inciso LXXVIII do art. 5o da Constituição da República introduzido pela Emenda Constitucional 45, in verbis:

"Art. 5º (...)

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Dessa forma, ficou explicitado o conceito que se subsumia no texto constitucional; para uns, na cláusula do devido processo legal (art. 5o, LIV), para outros, na do acesso ao Judiciário[2] art. 5º, XXXV.

A cláusula do devido processo legal encontra-se umbilicalmente ligada à presteza e à eficiência da jurisdição pelas idéias de proporcionalidade e razoabilidade. É inconcebível que se possa subtrair de alguém a liberdade ou seus bens por meio de um processo kafkanianamente longo. A longa duração do processo vai, por si , de encontro à idéia do devido processo legal.

Por seu turno, o art. 5º, XXXV fixa que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Pois bem, a apreciação pelo Poder Judiciário da lesão ou ameaça a direito é veiculada pelo processo. Se o processo não estiver disposto de modo a viabilizar a outorga da tutela inibitória àquele que a ela tem direito, certamente estará negando o direito fundamental à tutela jurisdicional. Nesse ponto entra a duração do processo. Se autor e réu precisam de tempo para receber a definição acerca do bem da vida pelo qual litigam, é corolário desse raciocínio que a apreciação judiciária da lesão e ameaça a direito será tanto mais efetiva quanto mais rápida for. Nessa toada, dizia Carnnellutti que justiça lenta não é justiça. Assim, garantir o acesso à Justiça é garantir um processo rápido e efetivo. [3]

Desse modo, não fosse o pendor do brasileiro de somente acatar o que está expressamente escrito, a Emenda 45 teria feito chover no molhado.

Entretanto, por trás dessa declaração explícita de direito à presteza da jurisdição, há todo um movimento político, iniciado entre nós em 1985 com a deflagração do Movimento das Diretas , que teve como um de seus momentos mais altos o restabelecimento do regime democrático, concomitantemente com a promulgação da Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 recebeu o cognome de Cidadã não foi à toa. O epíteto denota bem o conjunto de aspirações que com ela se sobrelevaram. O sonho de um país justo, revigorado com a Nova República, contava mais uma vez com uma Carta que acenava com a possibilidade da sua efetiva realização. Os Poderes da República foram uma vez mais devidamente separados, tornados independentes e exortados a desempenharem suas funções em harmonia. No sistema da tripartição dos poderes, cabe ao Judiciário, como sabido, a tarefa de dizer o direito aplicável ao caso concreto e, com isso, levar paz à sociedade. Afinal, sem um Poder Judiciário independente e eficaz jamais se poderá realizar satisfatoriamente o Estado de Direito[4].

Nesse passo, no afã de realizar a justiça, construiu-se a teoria do atingimento da ordem jurídica justa, na qual o acesso à Justiça tem papel fundamental. se pode atingir a almejada ordem justa se se tiver amplo acesso ao Poder Judiciário, uma vez que é a ele que se recorre, em última instância por força do monopólio estatal da jurisdição, para a realização do direito.

Com isso abriram-se as portas de entrada da Justiça e o convite foi sofregamente aceito por uma multidão de cidadãos que queria ver realizada a justiça no seu caso particular. Desse modo, as estatísticas do Poder Judiciário fizeram crescer e os processos passaram a durar mais. Intensificou-se, então, o discurso acerca da necessidade de uma saída mais rápida do cidadão/jurisdicionado do aparelho judiciário. Saída necessária para a obtenção de um Poder Judiciário eficaz e, em conseqüência, como dito, da realização do Estado de Direito. Necessária principalmente para, de um acesso garantido ao Poder Judiciário, chegar-se a um acesso garantido à Justiça substancial.

A reboque, vieram as microrreformas da legislação processual. De 1992 até hoje foram editadas 21 leis com esse desiderato. Portanto, muito se fez no campo processual e muito ainda se fará: hoje temos 23 projetos de lei tramitando nas duas Casas do Congresso Nacional com vistas ao aperfeiçoamento da legislação processual e à sua adequação à reforma procedida no Poder Judiciário pela Emenda 45.

Contudo, não podemos imputar a morosidade do Poder Judiciário somente à questão processual. Um outro fator, por muito tempo relegado e que começa a receber a devida atenção, tem igual peso. É o problema da gestão administrativa da prestação do serviço jurisdicional levada a termo pelos Juízes. Assim também pensa, entre outros, Francisco Pedro Jucá, que identifica dois problemas básicos abatendo-se sobre o Judiciário: o primeiro, de gestão; o segundo, de lentidão[5]. Sendo que divisamos uma relação direta e estreita entre eles. Nesse passo, é curial a citação a William Douglas Resinente dos Santos:

“... apesar de em geral se falar enormemente na atividade jurisdicional (própria), a ineficiência do terceiro sistema [o administrativo] resulta na inoperância do segundo [o processual]. Logo, e paradoxalmente, a atividade administrativa pode assumir grandeza axiológica comparável à atividade principal. Tanto quanto o processo é instrumento do direito material, a atividade administrativa é instrumento da jurisdicional. Instrumental do instrumental, mas não menos importante. Como afirmamos, em grande parte é à pobreza organizacional que se pode imputar a morosidade da jurisdição.”[6]

Por conseguinte, “é fundamental agregar à cultura da organização judiciária a idéia de que esta é perpassada também por problemas gerenciais que, se enfrentados, resultarão em significativos ganhos institucionais”[7].

Pierpaolo Cruz Bottini, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, também prioriza esse aspecto da disfunção do sistema judiciário:

“O principal problema do Judiciário hoje se encontra na gestão. Não se quer, com isso, afastar a relevância de outros gargalos que dificultam a atividade de prestação jurisdicional, como a legislação processual, que deve ser reformulada a fim de suprimir entraves na tramitação processual, sem ferir os instrumentos de contraditório e ampla defesa. Porém, é necessário ressaltar a insuficiência de qualquer reforma legislativa diante de um sistema de gestão da Justiça lento e ultrapassado, que mantém procedimentos burocráticos desnecessários, responsáveis pela procrastinação de feitos e resultados.”[8]

Há, inclusive, quem aponte com a devida autoridade que o Brasil estaria encerrando a fase dos consertos legislativos e institucionais e ingressando numa fase de gerenciamento de recursos humanos, tecnológicos e financeiros:

Conscientementeque abrir [o Brasil] espaço a uma fase modernizadora, onde se combinem pessoas e orçamento empenhados em conseguir uma mudança substantiva de gestão que supere os sintomas principais da crise, tais como a congestão, morosidade e o alto custo de acesso ao sistema constitucional de prestação jurisdicional.”[9]

Dessa forma, o decesso do Judiciário é mais que o equacionamento e solução de um problema de celeridade processual. Tomando-se aqui a celeridade processual como referente à parte jurídico-processual do problema. A idéia de decesso do Judiciário tem maior amplitude. Também abarca a gestão administrativa dos órgãos encarregados da prestação jurisdicional.

Nesse aspecto é que surge como alvissareira inovação a instituição do Conselho Nacional de Justiça como órgão de governo do Poder Judiciário.

2. O Conselho Nacional de Justiça como Órgão de Governo do Poder Judiciário e o seu Papel no Decesso do Judiciário

Como visto, a gestão competente do aparelho judiciário é conditio sine qua non para a concretização da presteza da jurisdição e do conseqüente acesso à Justiça Substancial. Portanto é mister, segundo as teorias da ciência da administração[10], que haja um norte, uma orientação de fundo unificada que indique os objetivos a ser perseguidos por toda a organização, ou seja, uma estratégia. Esse é o papel principal a ser desempenhado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Para que isso ocorra, as deliberações do Conselho Nacional de Justiça devem revestir caráter vinculador, ou seja, devem ser obrigatoriamente observadas por todos os órgãos componentes do Poder Judiciário, sob pena de inviabilizar a missão constitucionalmente atribuída àquele órgão.

Pode-se indagar da legitimidade da atuação do Conselho Nacional de Justiça nesses moldes, mas ela é dada pelo inciso II do § 4º do art. 103-B da Constituição, quando determina que deve zelar pela observância do art. 37, in verbis:

art. 103-B (...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (grifei)

Por sua vez, é a seguinte a dicção do caput art. 37:

“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (grifei)

O ponto é justamente o zelo que o Conselho Nacional de Justiça deverá observar pela eficiência da administração do Poder Judiciário. Segundo o Dicionário Houaiss Eletrônico da Língua Portuguesa, 3a acepção, eficiência é a

virtude ou característica de (uma pessoa, um maquinismo, uma técnica, um empreendimento etc.) conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou de dispêndio de energia, tempo, dinheiro ou meios”.

Como observa Robertônio Santos Pessoa:

Embora nem sempre o conteúdo jurídico de um princípio ou palavra seja equivalente à sua conotação vernacular, poder-se-ia dizer que, estando submetida ao princípio da eficiência, a atividade administrativa dos órgãos e entidades públicas deve ser uma atividade eficaz, ou seja, deve produzir o efeito desejado, deve dar bons resultados. (...) pode-se dizer que as condutas e decisões administrativas devem buscar o melhor resultado na resposta às demandas públicas, a solução ótima, parafraseando aqui o insigne Celso Antônio Bandeira de Melo.”[11]

Sendo assim, o Conselho Nacional de Justiça, por ser o órgão administrativo máximo da estrutura do Poder Judiciário, poderá imiscuir-se no mérito administrativo dos atos emanados dos órgãos a ele inferiores. Isso porque o controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça não é judicial. Sua natureza jurídica é de direito administrativo e advém, como se pode depreender do texto da emenda constitucional, do poder hierárquico-administrativo que exerce sobre o Judiciário.

3. Conclusão

Assim, ao contrário do que pode transparecer de uma primeira leitura do texto da Emenda 45, “a importância do Conselho Nacional de Justiça não decorre de suas competências disciplinares, ou de sua capacidade de aplicar sanções diversas aos magistrados descumpridores dos preceitos normativos que regem a carreira e sim da sua vocação para dinamizar a gestão do Poder Judiciário e possibilitar a integração dos sistemas judiciais do país, facilitar a prestação jurisdicional e garantir a transparência dos órgãos públicos que desempenham tarefas judicantes” [12].

A ele deverá tocar o estabelecimento de uma missão, de uma visão e de um planejamento estratégico únicos para o Judiciário e o papel de catalisador e de centro irradiador das melhores práticas administrativas existentes para que se torne factível no Brasil o ideal de um Poder Judiciário moderno e célere.

________________________________________________

[1] Preferimos o termo decesso do Judiciário ao termo decesso da Justiça para não confundir o fim (Justiça) com um dos meios (Poder Judiciário) de alcançá-lo.

[2] Nossa preferência pela expressão acesso ao Judiciário à expressão acesso à justiça dá-se pelos mesmos motivos declinados na nota anterior.

[3] Parágrafo elaborado com subsídios de Luiz Guilherme Marinoni in O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva dos direitos fundamentais, Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281>. Acesso em: 26 set. 2005 .

[4] Augusto Zimmermann, apud Francisco Pedro Jucá, in Reforma do Judiciário – Algumas Reflexões. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 17.

[5] Francisco Pedro Jucá, in Reforma do Judiciário – Algumas Reflexões. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 19

[6] William Douglas Resinente dos Santos, apud Flávio Dino, in O Conselho Nacional de Justiça: Missões e Primeiros Passos. Disponível em < st="on">com.br/art_publicados.php?chave=73>, acesso em 25/09/2005.

[7] Flávio Dino, in O Conselho Nacional de Justiça: Missões e Primeiros Passos. Disponível em < st="on">com.br/art_publicados.php?chave=73>, acesso em 25/09/2005.

[8] Pierpaolo Cruz Bottini, in Os Desafios do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em < st="on">migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=16081>, acesso em 25/09/2005.

[9] Fuentes Hernández, apud Pietro de Jesús Lora Alarcón, in Reforma do Judiciário e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 30.

[10] Paulo de Vasconcelos Filho & Dernizo Pagnoncelli, Construindo estratégias para competir no século XXI, Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, p.289/298.

[11] Robertônio Santos Pessoa in Princípio da eficiência e controle dos atos discricionários . Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=342>. Acesso em: 26/09/2005.

[12] Pierpaolo Cruz Bottini, op. cit.

14 de janeiro de 2007

Em Auxílio à Razoável Duração do Processo e à Transparência do Judiciário - Uma Sugestão

Esse post do blog O Idealista inspirou-me a publicar a idéia com a qual concorri em dezembro de 2005 no Concurso Novas Idéias para a Justiça promovido pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal - SINDJUS/DF.

Não obstante a idéia ter sido concebida para ser aplicada no Conselho Nacional de Justiça - CNJ, nada impede que organizações como a Transparência Brasil a implementem.

Também seria salutar a publicação dos dados aqui referidos em um sítio na internet.

Eis a idéia.


Ouvidoria de Justiça Virtual

Um modo de se perseguir a razoável duração do processo com a contribuição popular


1)Idéia

O presente trabalho consiste na proposta de implementação de um sistema integrado e aberto por meio do qual os jurisdicionados de todo Brasil poderão registrar suas reclamações acerca da morosidade da prestação jurisdicional levada a termo por todos os Órgãos Judiciários do país. Servirá como uma instância desburocratizada, facultativa e intermediária à representação por excesso de prazo, podendo ainda servir como deflagradora das representações por excesso de prazo formuladas de ofício.

O excesso de prazo será, neste sistema, dividido em duas categorias: (i) geral e (ii) incidental. O excesso de prazo geral refere-se à duração do processo no Poder Judiciário, considerada a data do ajuizamento da ação. O excesso de prazo incidental refere-se, por sua vez, à paralisação do processo por um longo período na mesma fase processual.

O contato poderá dar-se por dois canais: atendimento telefônico via call center ou auto-atendimento via internet. O registro da ocorrência deverá conter o nome do jurisdicionado, seu e-mail, telefone ou endereço para contato, o número do processo, a data do ajuizamento da ação, o órgão jurisdicional, o Magistrado responsável e o tipo de excesso de prazo – se geral ou se incidental, caso em que será informada a fase e o tempo em que o processo nela se encontra.

A análise das ocorrências ficará a cargo de uma equipe de servidores e será feita com o apoio da tecnologia e da ciência da administração. Essa equipe intermediará a demanda do jurisdicionado, noticiando o registro da ocorrência ao Magistrado a quem atribuída a demora e procederá à baixa dos casos solucionados. Tal baixa também poderá ser feita pelo próprio jurisdicionado diretamente na internet ou pelo telefone. Programas de computador serão utilizados para facilitar a análise dos casos. Parâmetros, por exemplo, indicarão de antemão se o prazo não é excessivo.

Os registros serão mantidos para, entre outras aplicações, serem utilizados como antecedentes pelas autoridades com competência para a apreciação das reclamações efetivamente formalizadas ou como critério para a instauração de ofício de representação por excesso de prazo (art. 80, caput, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça). Permitirá, por exemplo, a aferição do número de ocorrências que teve no sistema o Magistrado contra quem formalizada a reclamação por excesso de prazo, com a finalidade de avaliar o seu desempenho.

Dada a sua abrangência e implicações, a administração do sistema deverá ficar a cargo do Conselho Nacional de Justiça.

Com a implementação desta idéia, espera-se, conforme a justificativa adiante deduzida, uma maior participação do cidadão na administração da justiça do que aquela que lhe seria possibilitada pelos meios hoje existentes, assim como munir o Conselho Nacional de Justiça de um instrumento para melhor desempenhar suas atribuições institucionais.


2) Justificativa

Como todos sabem, a morosidade é o grande motivo de reclamação da sociedade em relação ao Poder Judiciário. A presente proposta pretende justamente ser uma contribuição, estruturada e transparente, para auxiliar a resolução desse problema.

Ela parte do pressuposto que os Magistrados que receberem a notícia do registro da ocorrência se esforçarão para solucionar a pendência de sponte sua, tendo em vista o peso institucional do Conselho Nacional de Justiça e a possibilidade de os registros serem usados como antecedente em seu desfavor, seja por ocasião da formalização de uma reclamação por excesso de prazo (de ofício ou pelos legitimados para tal), seja no momento das promoções por merecimento (esse poderia ser um bom critério objetivo para essa modalidade de promoção), despertando nos Juízes a percepção da necessidade de melhor administrar os seus acervos processuais e o órgão judicante sob sua responsabilidade.

Por outro lado, é imperioso evitar que a morosidade também atinja os novos órgãos de controle do Poder Judiciário. Será extremamente frustrante se isso se der. A ameaça revela-se assaz provável haja vista as mais de 340 (trezentas e quarenta) reclamações já feitas ao Conselho Nacional de Justiça em quatro meses da sua instalação (dados relativos ao mês de outubro de 2005 e [que estava] disponível em http://www.cnj.gov.br/pages/anonimo/estatistica.htm). [Tudo indica que a tendência de explosão da demanda no CNJ vai se confirmar, ver essa notícia veicula pelo próprio conselho.

A presente proposta também visa mitigar essa tendência. Como a análise e a eventual solução da ocorrência registrada será feita sem a intervenção direta dos Conselheiros, estes poderão dispor de mais tempo para desincumbir-se de suas tarefas, uma vez que terão de apreciar um número menor de reclamações do que aquele que fatalmente exigiriam sua atenção sem a adoção do expediente que ora se propõe. Ela será, como já dito, uma instância desburocratizada, facultativa e intermediária à representação por excesso de prazo. Funcionará, nesse aspecto e guardadas as diferenças, como conciliadores leigos nas causas cíveis que reduzem e até evitam o assoberbamento do sistema judiciário.

Na era da informação com base tecnológica, o Poder Judiciário brasileiro não pode depender somente de métodos arcaicos e formais para cumprir o seu papel. Claro está que não deverá abandonar de pronto os antigos métodos baseados no papel, nas ocasiões em que a segurança jurídica assim o exigir. Mas pode e deve usar a tecnologia e a ciência da administração com inteligência como coadjuvante de peso para fazer frente aos desafios a ele impostos pelos novos tempos. Tempos de crescimento populacional e de globalização econômica que precipitaram uma miríade de demandas judiciais. Portanto, esta idéia pretende, a um só tempo e com sustentação na tecnologia e na ciência da administração, evitar o afogamento dos órgãos de controle e possibilitar que eles se desincumbam satisfatoriamente de sua missão constitucional.

Se utilizado em larga escala pelos jurisdicionados, o sistema poderá vir a ser um importante instrumento de avaliação do Poder Judiciário e para a tomada de decisões estratégicas. A partir das informações geradas pelos contatos dos jurisdicionados poderão ser tomadas ações variadas, além da intermediação para a solução da reclamação, como o mapeamento de áreas críticas, a identificação de gargalos e, por outro lado, detectar, por exclusão, práticas administrativas de excelência. Permitirá também a comparação entre o perfil delineado pelo sistema e aquele que sobressai das estatísticas oficiais.

Por fim, esta proposta franqueará acesso amplo e democrático do cidadão ao Conselho Nacional de Justiça. Primeiro, porque livre de qualquer formalismo; depois, porque disponível a qualquer um que tenha acesso à internet ou a um telefone. Desse modo, constitui uma iniciativa de redução da desigualdade havida entre os jurisdicionados. Os econômica e juridicamente hipossuficientes poderão, por exemplo, valer-se dos órgãos de controle sem que para isso tenham eles próprios ou seus advogados que redigir requerimentos e se deslocar à Brasília. Os jurisdicionados podem, inclusive, prescindir de advogado para tanto.

Os dados e estatísticas advindas do sistema poderão ser consultados também pelas Ouvidorias de Justiça, pelo Conselho da Justiça Federal, e pelas Corregedorias dos Tribunais. Assim, a presente proposta, se levada adiante, representará um meio de controle administrativo de baixo custo, célere, eficiente, eficaz e desburocratizado da sociedade, do Conselho Nacional de Justiça, das Ouvidorias de Justiça, do Conselho da Justiça Federal e das Corregedorias dos Tribunais sobre o andamento dos processos no Poder Judiciário. Mais que apenas um controle, pretende ser uma contribuição para a realização da garantia constitucional da razoável duração do processo, emprestando uma maior efetividade aos órgãos de controle e ao Poder Judiciário como um todo.


3)Condições de implementação

São as seguintes as condições de implementação da presente proposta:

I. Desenvolver uma plataforma de informática integrada para a captura do registro e tratamento das reclamações feitas por telefone e pela internet;

II. Desenvolver a taxonomia para a captura das reclamações;

III. Definir a estrutura organizacional do sistema com as respectivas responsabilidades e competências;

IV. Definir os processos para captura, tratamento, recorrência, priorização e feedback das reclamações;

V. Capacitar pessoas para o atendimento e o tratamento das reclamações e

VI. Desenvolver um modelo estatístico e um data warehouse para avaliação do conjunto de dados gerados e para a emissão de relatórios.

Uma plataforma de informática integrada é imprescindível para consolidar em uma só base os dados advindos dos dois canais de relacionamento com o jurisdicionado: call center e internet. Isso facilitará o manejo estatístico das informações e a operacionalização do sistema.

A taxonomia nada mais é que um índice. Ela serve para estruturar a informação de forma a permitir o seu tratamento de modo mais racional.

A organização e definição de responsabilidades e competências indicarão a incumbência dos órgãos e das respectivas pessoas neles lotadas. Dirá quem receberá as reclamações (captação), quem irá delas tomar conhecimento (tratamento) e quem estabelecerá sua importância relativa (priorização) para encaminhá-las a autoridade responsável, bem como quem dará uma satisfação ao jurisdicionado acerca da sua reclamação (feedback). Indicará também a que instâncias os servidores responsáveis pelo tratamento deverão recorrer (recorrência) se a reclamação não for atendida tempestivamente.

Os processos são um conjunto de atividades estruturadas e medidas, destinados a resultar em um produto específico. No nosso caso são este a captura, o tratamento, a recorrência, a priorização e o feedback das reclamações. Os processos são um item chave para o sucesso do sistema, pois a performance dos indivíduos é limitada pela qualidade dos processos. O bom desenho deles é que fará com que as reclamações não ecoem no vazio.

A capacitação de pessoas é fundamental para o sucesso desta proposta. Elas deverão estar aptas para bem atender o público, magistrados e advogados com educação e urbanidade, ter discernimento para priorizar e tratar as reclamações feitas e saber lidar com os instrumentos necessários ao trabalho, como computadores, internet e modelos matemáticos-estatísticos, além de serem capazes de bem administrar o sistema.

O data warehouse é uma ferramenta de apoio à decisão. Permite extrair, limpar e armazenar uma vasta quantidade de dados. O seu propósito é conferir poder aos gestores (os Conselheiros no nosso caso) para tomar decisões com base em informações factuais (NEMATI apud BALDAM, Roquemar (org.) et. al., Que Ferramenta Devo Usar – Ferramentas Tecnolígicas Aplicáveis a Gestão de Empresas, Racionalização de Processos, Gerenciamento de Conhecimento. Rio de Janeiro: Qualimark, 2004, p. 56).

Juntamente com os modelos estatísticos, servirá para auxiliar na aferição da capacidade do Poder Judiciário de fazer valer ao longo do tempo o direito do jurisdicionado a uma razoável duração do processo e para assinalar áreas críticas nas quais o Conselho Nacional de Justiça deverá concentrar sua atenção e tomar decisões, como a de instaurar de ofício representação por excesso de prazo ou a prestação de auxílio aos órgãos que dele necessitem.

4 de janeiro de 2007

Administração do Acervo de Autos


A administração do acervo de autos consiste no gerenciamento do acervo de um gabinete tendo por parâmetros os critérios de antigüidade, matérias e urgência, com a finalidade de melhorar a prestação jurisdicional, tornando-a mais célere e efetiva.

Organizar o acervo de autos de um gabinete e administrá-lo são o primeiro passo em direção da sua maior produtividade. É mesmo intuitivo que fica deveras difícil fazer justiça para o magistrado que tem desorganizado o acervo de autos sob sua responsabilidade.

Identifiquei seis desvantagens, pode haver mais, para o gabinete que não tem seu acervo organizado, são elas:

  1. Desconhecimento do acervo
  2. Abordagem empírica ("barata tonta", insistência e frentes limitadas de trabalho)
  3. Não se tem idéia do perfil do acervo
  4. Não se sabe como o acervo se comporta
  5. Impede uma estratégia de abordagem do acervo
  6. Impossibilita a utilização do acervo para incrementar a produção e para torná-la mais efetiva

O desconhecimento do acervo é a mais óbvia das desvantagens e a mãe das outras demais.

A abordagem empírica constitui-se em trabalhar os autos sem nenhum ou com parcos critérios de abordagem do acervo.

A aleatoriedade da abordagem do acervo, a que chamo de "barata tonta", é o pior dos mundos e ataca os gabinetes totalmente desorganizados ou organizados por critério equivocados, como o da simples cronologia da autuação. Nessa situação, os membros da equipe trabalham às cegas, "pegando" qualquer caso em que lhe pareça conveniente atuar. Todos ficam perdidos e se exasperam por não saber como reduzir a montanha de trabalho que têm pela frente.

Há também gabinetes que se encontram relativamente organizados. A esses acometem a "insistência" e as "frentes limitadas de trabalho", que são dois lados da mesma moeda. Em contextos como esse, a equipe limita-se a insistir em trabalhar com as frentes limitadas de trabalho oferecidas pela organização parcial do gabinete. A parte desorganizada jaz no esquecimento.

"Não ter idéia do perfil do acervo" e "não saber como ele se comporta" são dois aspectos mais sutis e correspondem a não se ter repostas para perguntas simples como:

  • Quantos autos há hoje no gabinete?
  • Nosso acervo tem aumentado ou diminuído? Quanto? Como?
  • Quais os autos mais antigos?
  • Quais e quantos casos são urgentes (cuja delonga implica na privação de um pretenso direito do jurisdicionado)?
  • leading cases no gabinete? Quantos e em que matérias?

O itens de 1 a 4 tratados acima impedem a construção de "estratégia de abordagem do acervo" e "a utilização do acervo para incrementar a produção e para torná-la mais efetiva".

Uma estratégia de abordagem do acervo e a sua utilização para incrementar a produção para torná-la mais efetiva dependem de uma avaliação do líder de cada equipe - o juiz -, como o tema foge da administração do acervo, que é instrumento para aquelas, deixarei para uma outra oportunidade tratar delas.

Como se pode deduzir, a medida básica para se gerir o acervo de autos é a divisão dele por matéria. Nesse ponto, a construção de uma taxonomia é fundamental. A partir dessa taxonomia é possível classificar cada um dos autos processuais pela matéria e organizar o acervo de acordo com essa classificação. Melhor ainda se a taxonomia for institucional. Há na Justiça Federal comum brasileira uma experiência nesse sentido: a Tabela Única de Assuntos - T.U.A. da qual falaremos nos próximos posts.

 
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