4 de outubro de 2010

Atacadão Judiciário

(04.10.10)

Por Ronnie Preuss Duarte
advogado (OAB/PE nº 16.528) e diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB-PE

sociedade espera do Poder Judiciário que vele pela administração da justiça. Que cuide de dar a cada um o que é seu, de acordo com o direito.  Hoje, a preocupação  com a efetividade temporal do processo (leia-se: velocidade dos julgamentos), vem sacrificando a qualidade da prestação jurisdicional.

Para a perplexidade dos jurisdicionados – cujas vidas e patrimônio são objeto dos litígios –  secções de gabinetes em Tribunais Superiores são referidas como “linhas de produção”, onde o labor em série dos ocupantes em cargos de comissão alimentam as disputas pelas cabeceiras nas listagens de produtividade.

Na competição instalada entre os pares, é a quantidade que ganha relevo. Sob a escusa de uma reafirmada inevitabilidade da entrega da jurisdição a granel, instala-se nas cortes de justiça do país uma padronização procedimental: julgamentos em lotes (ou listas), a impensável delegação da atividade judicante na respectiva essência, a irreflexão dos votos, a ignorância das minúcias dos fatos debatidos nos autos e o laconismo na apresentação das razões de decidir.

nobre função de julgar, sobretudo no âmbito recursal, é vilipendiada. O magistrado é reduzido à figura do gestor: o gerente do gabinete. Não raro as decisões, porque alvo de uma reiterada “terceirização” aos assessores, chegam ao conhecimento do respectivo “prolator” quando da  leitura dos votos, na própria sessão de julgamento.

Aqueles que teimam em recusar a adesão ao ´modus operandi´ do atacadão judiciário, verdadeiramente julgando e não coordenando aqueles julgadores “de fato” (os assessores), sofrem as conseqüências da baixa produtividade quantitativa: ridicularização e a injusta pecha de incompetentes.

É indigno desconsiderar a imposição, ao estado-juiz, do dever de velar pela qualidade dos atos decisórios, atributo este que vem sendo esquecido por força do patrulhamento que hoje se ocupa apenas do aspecto quantitativo da atividade judicante.

prática quotidiana traz exemplos de magistrados que, resistentes à jurisdição por atacado, dedicam mais de 12 horas diárias ao desempenho pessoal do ofício judicante. O déficit de produtividade é compensado por decisões dotadas de um diferencial técnico, assegurando às partes uma prestação jurisdicional na respectiva essência, que jamais pode abdicar do aspecto qualitativo. São homens que, despidos da vaidade e ignorando a competição estatística, honram a toga e o compromisso assumido na data da investidura no cargo.

Os critérios para avaliação dos juízes simplesmente não tomam em conta essa particularidade essencial, eventualmente prestigiando magistrados absolutamente descomprometidos com aspecto essencial da respectiva função: a justiça das decisões, que inafastavelmente passa pela acurada análise das questões fáticas e jurídicas debatidas nos autos.

Se é legítima a cobrança da produtividade, urge que os órgãos de controle da magistratura, notadamente o Conselho Nacional de Justiça, não descurem da necessidade de implementação de mecanismos de aferição qualitativa da produção judicante, mediante avaliações técnicas, por amostragem, das decisões proferidas.

quantidade não pode ser a única bitola distintiva entre o bom e o mau juiz, sob pena de se prestigiar a incúria no trato da matéria submetida à apreciação judicial. Ultimada a análise qualitativa e publicados os resultados, ter-se-á, dentro de um novo contexto, a resposta à indagação outrora feita pelo jurista Capelleti: juízes irresponsáveis?   

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8 de junho de 2010

Pequena reflexão acerca da necessidade de revisão dos julgados pelos graus superiores de jurisdição

Esta era para ser, e de certo modo é, a 6ª parte da série de escritos sobre o incidente de coletivização proposto no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, na qual eu trataria da divergência jurisprudencial quantitativamente significativa como requisito da subida do incidente aos graus superiores de jurisdição. Entretanto, aproveito a ocasião proporcionada pela proposta do incidente de coletivização, para lançar uma reflexão acerca da revisão dos julgados pelos graus superiores de jurisdição das decisão proferidas pelos graus antecedentes.


Tem-se falado no papel dos juízes de primeira e segunda instância. E já é lugar comum, sempre que se toca nesse assunto, dizer que os graus ordinários de jurisdição são "instâncias de passagem", o que assinala que nada decidem de efetivo, pois como normalmente acontece, das decisões por eles proferidas cabe recurso aos graus superiores. É mediano concluir que essa verticalização obstaculiza a entrega célere da prestação jurisdicional em muito maior grau que a mera existência de um grande número ações em tramitação. Em verdade, ouso afirmar, que este é o grande mal do nosso sistema judiciário: a existência de recursos que levam o julgamento de milhares de magistrados a ser mantida ou reformada por algumas dezenas de ministros. Falo milhares tendo em vista não os autos, mas os fundamentos jurídicos neles expendidos, que têm vida própria, ultra autos, se se considerar as teses em torno do objeto litigioso.


Subjaz à questão da celeridade processual, um componente político. Não há nenhum mal na política se ela respeitar a democracia em substância. O problema é que o modo pelo qual são escolhidos os ministros hoje permite que o grupo político no poder eleja aqueles que sabe de antemão a que escola de pensamento jurídico pertence. Ademais, a concentração de poder nas mãos de alguns poucos torna as questões debatidas expostas, em tese, a toda sorte de influência, nas quais os menos favorecidos não têm representação. Advém daí decisões dos tribunais superiores contrárias à esmagadora jurisprudência promanada até então dos tribunais e juízos monocráticos, o que pode fazer parte do jogo político, mas não do jogo de uma política democrática. Outro efeito que se observa são as mudanças de jurisprudência nesses tribunais ao tempo de alterações nas composições do colegiado, o que ameaça a segurança jurídica.

Historicamente e até hoje em dia, os tribunais se justificam, além da necessidade humana de submeter o seu caso a um segundo julgamento, pela unificação da aplicação do ordenamento jurídico e, logo, também pela unidade deste. Tal se dava, abstraindo-se da política, pela conjuntura técnica à disposição. Entre os juízes não podia haver comunicação. Um não tomava conhecimento da decisão do outro. O tribunal desempenhava, nesse contexto, o papel de concentrador. O desembargador ou o ministro lia os fundamentos das decisões e decidia qual a melhor solução para uma dada situação de direito.


Atualmente, com as novas tecnologias da inteligência, não deve mais ser assim necessariamente. Um novo mundo se descortina. Mundo no qual os juízes de primeiro grau e os desembargadores já têm a possibilidade de saber as decisões de seus pares e, mais, em que essas decisões podem ser escrutinadas de modo a formar um entendimento colegiado e, logo, em que se pode saber se há divergência quantitativamente significante entre elas.


Nesse mundo não haverá mais necessidade de haver tantos recursos judiciais. Ele é factível o que resta é saber se o queremos.

15 de fevereiro de 2010

[Código Fux, o Novo CPC] O incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 5]


A participação dos demais juízes de 1º grau com competência para a causa no julgamento da lide

O presente escrito participa da postagem coletiva sobre o anteprojeto do Novo CPC. Mais detalhes sobre a postagem, ver aqui (onde se pode encontrar os links para os posts publicados pelos blogs participantes).

Esta é a 5ª parte da série que venho escrevendo sobre o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, mais especificamente sobre o incidente de coletivização nele proposto. No primeiro escrito, listei uma série de proposições, as quais venho abordando no decorrer da série. Neste escrito vou tratar da participação dos demais juízes de primeiro grau no julgamento do incidente de coletivização.

O incidente de coletivização, na forma em que está lançado, terá aplicação nas denominadas ações em massa (que envolvem um grande número de casos idênticos) e, pelo que transparece do anteprojeto na fase em que se encontra, será suscitado e julgado por um único juiz de primeiro grau em todo território nacional, com a causa subindo verticalmente, por força da interposição dos recursos cabíveis, até um tribunal superior. Na segunda parte desta série defendi que o incidente deveria ser suscitado em cada região jurisdicional. Nesta oportunidade defendo que, em cada região, seja franqueada a participação no julgamento do incidente a todos os magistrados de primeiro grau com competência para a matéria.

Afirmei no primeiro escrito que seria possível acelerar o processo de sedimentação da jurisprudência desde que seja usado o catalisador adequado. Vinculo a esse catalisador a condição do respeito ao tempo justo de reflexão sobre as questões direito que gravitam em torno da res judicata. Pois bem, esse tempo pode ser alcançado de modo mais célere pelo coletivo inteligente, que, no caso desta sugestão, seria formado pela participação no processo decisório do incidente de coletivização de todos os juízes de primeiro grau com competência para apreciar a matéria, além dos desembargadores de todos os tribunais de segundo grau (segundo escrito) e superiores, atendido, quanto a esses dois últimos, o requisito de divergência jurisprudencial quantitativamente relevante que será objeto do próximo escrito.

São as seguintes as vantagens que diviso nesta sugestão:

  1. Evitar uma desvalorização ainda maior do primeiro grau de jurisdição, uma vez que não alijará os magistrados da apreciação da causa;
  2. Probalidade muito maior de acerto, em função da participação de inúmeras inteligências jurídicas no lugar de somente uma;
  3. Compressão do tempo de sedimentação da jurisprudência preservando-se sua qualidade e diversidade e, portanto, sua legitmidade;
  4. Conferição de uma maior autoridade à decisão tomada como corolário dos itens anteriores; e
  5. Outorga de maior segurança à decisão, também como consequência lógica dos três primeiros itens.


Outros escritos deste blog sobre o projeto do novo CPC

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 1]


A definição legal de ações em massa

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 4]
O ingresso  no incidente de todas as razões de direito já deduzidas nas lides que serão coletivizadas e o ingresso de outras, se novas, no seu curso

31 de janeiro de 2010

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 4]


Esta é a 4ª parte da série sobre o incidente de coletivização que iniciei em 5 de janeiro passado. Nela tratarei do 3º item da lista de sugestões que fiz naquele escrito: o ingresso  no incidente de todas as razões de direito já deduzidas nas lides que serão coletivizadas e o ingresso de outras, se novas, no seu curso.

Sabemos que as cláusulas do devido processo legal tem sede constitucional. Entre elas, destacam-se a do contraditório e a da ampla defesa. Esta sugestão visa justamente contemplá-las ao trazer para o incidente de coletivização todas as razões de direito já deduzidas pelas partes nas ações já ajuizadas e as que surgirem no curso do procedimento do incidente.

Com isso, acreditamos, também se estará trazendo para o incidente de coletivização a inteligência jurídica produzida pelo conjunto dos procuradores das partes que estavam atuando nas ações coletivizadas. Uma vez que se suscitará um incidente que vinculará a todos (demandantes e demandados das ações coletivizadas) e tantos que tenham as mesmas pretensões, nada mais desejável que todos possam reunir forças em torno de suas teses. Esta é uma forma por meio da qual se poderá catalisar com justiça o processo de sedimentação da jurisprudência.

25 de janeiro de 2010

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 3]

A definição legal de ações em massa

Dando prosseguimento à exposição dos motivos que me levaram às proposições constantes do primeiro escrito desta série, vou me dedicar ao segundo deles: a definição legal de ações em massa.

A necessidade de se definir o conceito de ações em massa legalmente reside no respeito ao trâmite convencional das ações.

Primeiramente, porque acredito que a apreciação do caso concreto se dê de forma mais acurada nele mesmo, ou seja, em cada caso de per si. Somente considerando as suas peculiaridades de fato e de direito é que o juiz pode expedir a norma concreta mais adequada para aquela situação.

Depois, por causa do tempo de maturação da jurisprudência. Com um procedimento mais elastecido, que é o que ocorre de ordinário, tem-se que é muito mais provável que se faça justiça à pretensão mais legítima, uma vez que se permitiria a manifestação de diversos magistrados sobre o tema. Do respeito ao tempo de decantação que se impõe para a sedimentação da jurisprudência advém a menor possibilidade de erro judiciário.


Há, ainda, um motivo de ordem política. Qual seja, o de evitar a possibilidade de que a suscitação do incidente se preste a alijar grande parte da magistratura do debate de um determinado tema.

Por fim, porque penso que a eficácia das cláusulas do devido processos legal é maior quanto maior for tempo de duração do processo, com todos os recursos e com tempo para o trabalho dos defensores das teses de cada parte dentro das mesma causa e nas demais causas similares. Refiro-me aqui, obviamente, ao tempo gasto somente no procedimento, que, com o anteprojeto, temos a oportunidade de otimizar.

Pois bem, a expressão ações em massa revela que foi ajuizado um grande número de ações com o mesmo objeto: causa de pedir e pedido. Logo, nada mais desejável que se dizer objetivamente que número é esse. Dizer a partir de quantas ações se pode afirmar que se chegou a um ponto em que o valor segurança deve prevalecer.

Para se estabelecer esse quantitativo, pensei na fixação de um percentual do acervo total da Justiça competente para a causa e na consideração absoluta desse acervo.

O percentual do acervo é auto-explicativo. Consiste em se adotar uma relação entre as ações similares e o total do acervo como critério de definição de ações em massa. Essa relação deve indicar o quanto a quantidade dessas ações pode obstaculizar o bom andamento do Judiciário. Poder-se ia fazer um estudo estatístico com as consideradas ações em massa do passado, com os recursos repetitivos e com as repercussões gerais, para se estabelecer esse percentual.

A consideração absoluta do acervo do Judiciário competente para a matéria seria a sua quantidade absoluta abaixo da qual não seria possível suscitar o incidente. Isso porque, na hipótese, as ações em massa não estorvariam os trabalhos da Justiça.

24 de janeiro de 2010

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual [Parte 2]

Um incidente de coletivização por cada região jurisdicional


Em 5 de janeiro passado, redigi um escrito, revisado e acrescido hoje, sobre uma das principais propostas da comissão encarregada de redigir um novo Código de Processo Civil: o incidente de coletivização. Lá fiz algumas considerações e sugeri, em forma de tópicos, alguns procedimentos a serem adotados para, na minha opinião, se evitar a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual. Os tópicos são os seguintes:
  1. Não deveria existir somente um incidente de coletivização, mas um por cada região jurisdicional (estado ou região sob a jurisdição ordinária de um tribunal);
  2. A definição do que seria ações em massa deveria incluir previamente a indicação do percentual das ações no acervo global do Judiciário competente para a causa (a Justiça Federal ou a Justiça Estadual, por exemplo; poder-se-ia considerar, entretanto, causas locais, limitadas ao Estado federado ou Região). Também se poderia estabelecer um quantitativo absoluto mínimo desse acervo a partir do qual seria permitido ao juiz suscitar o incidente;
  3. Outrossim, dever-se-ia reunir no incidente todas as razões de direito já deduzidas, permitindo-se, ainda, que outras ingressem no transcurso do incidente;
  4. Deveria ser franqueada a participação no incidente de todos os magistrados de primeiro grau competentes para apreciar a matéria que desejassem exprimir seu entendimento e, de preferência, o entendimento majoritário é que deveria prevalecer;
  5. O incidente somente deveria subir aos tribunais de jurisdição ordinária se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa no primeiro grau;
  6. O incidente somente deveria subir aos tribunais superiores se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa nos tribunais de jurisdição ordinária;
  7. Participação obrigatória e ativa do Ministério Público no incidente como representante de grupos de pessoas físicas e como fiscal da lei;
  8. A execução da decisão do incidente transitada em julgado deveria ser feita no domicílio dos autores;
  9. Os honorários dos advogados que atuaram nas causas suspensas deveriam, se seu patrocinado se sair vencedor, ser executados no juízo do órgão jurisdicional a que foi distribuída a petição inicial e deveriam ser fixados na proporção do trabalho até então já realizado pelo causídico;
  10. Da mesma forma que no item anterior, as custas judiciais deverão ser executadas ao perdedor da lide pelo órgão judicial a quem coube a apreciação da petição inicial da ação suspensa; e
  11. Não haveria custas nem horários advocatícios no incidente.
Pois bem, procurarei expor nos próximos escritos os motivos de cada uma dessas sugestões. Começarei pela primeira.

Antes, porém, gostaria de dizer que os itens acima relacionados buscam a razoável duração do processo garantida constitucionalmente. Destaco que razoável não é sinônimo de rápido, mas um conceito que clama por bom senso. Razoável não é muito nem pouco. É um ponto ótimo entre os dois. Assim, garantir um processo com duração razoável, não é pisar fundo no acelerador. É, isso sim, administrar a duração do processo para que ele faça justiça de modo eficaz e seguro.

Desse modo, defendo que não deveria haver um único incidente de coletivização, mas sim um em cada área da jurisdição ordinária – que é aquela em que há apreciação da prova pelo juiz. Em uma região no caso da justiça federal e da justiça do trabalho e o Estado federado, no caso do Judiciário estadual, por exemplo.

Tal proposta tornaria mais acessível ao jurisdicionado o acompanhamento do incidente de seu interesse, uma vez o órgão jurisdicional no qual tramita estaria mais próximo de seu domicílio. Não esqueçamos que a grande maioria dos cidadãos brasileiros não tem acesso à internet.

Ademais, permitir que o incidente de coletivização seja suscitado em cada área jurisdicional, prestigiaria os desembargadores e juízes dos graus ordinários de jurisdição, conferindo força à sua jurisprudência.

No meu entender, além de facilitar o acesso à justiça e conferir força à jurisprudência dos primeiros graus de jurisdição, a adoção de tal sugestão possibilitaria, com a participação de um maior número de magistrados, a riqueza do debate judicial em torno do tema objeto do incidente. Como se sabe, a decisão tomada por um grande número de pessoas tem muito mais chance de ser a mais acertada. Esse, aliás, é um fundamento basilar da democracia que, acredito, também deveria nortear o sistema judiciário. Aliás, é essa a ideia subjacente aos tribunais, só que, agora, com o advento das novas tecnologias da inteligência, é possível ampliar muito esse conceito.

7 de janeiro de 2010

Para que a Gestão do Conhecimento (KM - Knowledge Management) no Poder Judiciário?


O blogueiro jurídico Gustavo D'Andrea escreveu um post que pergunta "Você já pensou em trabalhar com tecnologia aplicada à prática jurídica?". A indagação revolveu a minha memória e lembrei-me da minha pós-graduação em Gestão do Conhecimento. Mais ainda, mexeu com as minhas ideias e com a minha visão de um Poder Judiciário mais célere e eficaz.

Esse blogueiro amigo imagina um profissional que fizesse "o escritório [de advocacia] se movimentar de forma mais eficaz, mais tecnológica, mais lógica, mais produtiva" e que tenha conhecimentos na área do direito, na tecnológica e na de gestão. Eu, de minha parte, sonho isso para o Judiciário, principalmente na sua área fim.

Pois bem, esse profissional, até certo ponto, já existe, trata-se dos gestores do conhecimento. Mas, concordo com o Gustavo, parte da equipe formada por esses profissionais deve ter conhecimento jurídico.

Para embasar a minha opinião acerca da importância da Gestão do Conhecimento no Judiciário, citarei a seguir alguma literatura sobre o tema.

Thomas A. Stewart, em Capital Inletectual, a nova vantagem competitiva da empresas, Campus Elsevier, 14ª edição, 1998, escreve:

"... o conhecimento se tornou o ativo mais importante de uma empresa ou de qualquer organização. / Hoje as empresas precisam aprender a gerenciar o conhecimento. / Como descobrem, armazenam, vendem e movimentam, como o mantém renovado, relevante e atualizado? / O capital intelectual é a soma do conhecimento de todos em uma empresa, o que lhe proporciona vantagem competitiva. / O capital intelectual é intangível. / É a cooperação - o aprendizado compartilhado - entre uma empresa e seus clientes que forja uma ligação entre eles, trazendo, com muita frequência o cliente de volta. / O capital intelectual pode liberar outros capitais, (...) aumentando a agilidade empresarial. / É difícil indentificá-lo e mais ainda distribuí-lo de forma eficaz. Porém, uma vez que o descobrimos e o exploramos, somos vitoriosos. / O conhecimento tornou-se o principal ingrediente do que produzimos, fazemos, compramos, vendemos. Resultado: administrá-lo - encontrar e estimular o capital intelectual, armazená-lo, vendê-lo e compartilhá-lo - tornou-se a tarefa econômica mais importante dos indivíduos, das empresas e dos países."

Raquel Borba Balceiro e Giovani Manso Ávila, em A gestão de pessoas para o profissional do conhecimento (para ler a íntegra do artigo clique aqui), esclarecem:

"(...) quem é o profissional do conhecimento? Sveiby [A nova riqueza das organizações – gerenciando e avaliando patrimônios de conhecimento. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1998] define este profissional como alguém que é altamente qualificado e com alto nível de escolaridade. Segundo o autor, o trabalho deste profissional consiste, em grande parte, “em converter informação em conhecimento”, usando para tal, na maioria das vezes, as suas próprias competências, recorrendo esporadicamente aos fornecedores de informações ou de conhecimento especializado. Para as empresas cuja maioria de seus profissionais são profissionais do conhecimento, o valor de seus ativos intangíveis é muito maior do que o dos ativos tangíveis.
A boa gestão do capital intelectual das empresas (que corresponde aos ativos de mercado, de propriedade intelectual e de infra-estrutura, além dos ativos humanos) pressupõe integração entre as competências individuais de seus colaboradores, o que determina o diferencial competitivo que uma empresa pode construir em dado mercado."

Como se pode inferir dos textos acima transcritos, a gestão do conhecimento tem um grande alcance. Mais que a tecnologia considerada isoladamente, sendo certo, entretanto, que nada hoje se compara à tecnologia para descobrir, armazenar, distribuir e atualizar o conhecimento. Mas além da tecnologia, há as pessoas, dentro e fora da empresa, e os relacionamentos entre elas, além de outros elementos, como o ambiente em que a organização está inserida e os seus ativos tangíveis, tudo isso deverá ser levado em conta para gerir o conhecimento.

O Judiciário produz e sempre produziu o que há de maior valor nos nossos dias: o conhecimento. Assim, é como se fosse, e é, um produtor de conhecimento especializada com o qual se objetiva evitar e/ou dar solução aos conflitos que assomam da sociedade, de modo que a gestão ampla desse conhecimento é fundamental para a democracia e para o bom desempenho humano e econômico do país.

5 de janeiro de 2010

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual


revisto e acrescido em 24/01/2010

No último dezembro, o presidente da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, Ministro Luiz Fux, entregou ao presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, o resultado da primeira fase do trabalho desenvolvido. Trata-se de uma lista com os tópicos considerados fundamentais pela comissão (ver aqui, em formato .pdf).

A comissão, conforme o texto de abertura da sua página hospedada no portal do Senado, tem por objetivo "trazer a lume um novel Código de Processo Civil, voltado para a crise da morosidade da justiça". Para tanto, aposta, num primeiro momento, "na coletivização das demandas como regra" (idem). Como meio de implementação da coletivização, o presidente da comissão, na mensagem que encaminhou a lista de tópicos, sugeriu

"(...) a instituição de um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, o qual evitará a multiplicação das demandas, na medida em que suscitado o mesmo pelo juiz diante, numa causa representativa de milhares de outras idênticas quanto à pretensão nelas encartada, imporá a suspensão de todas, habilitando o magistrado na ação coletiva, dotada de amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma decisão com amplo espectro, definindo o direito controvertido de tantos quantos se encontram na mesma situação jurídica, plasmando uma decisão consagradora do principio da isonomia constitucional."

Portanto, com a criação do incidente de coletivização, forja-se também um novo conceito para o princípio da celeridade, que não mais estaria ligado à lide individual, mas ao conjunto delas, e cujo objetivo passaria a ser promover segurança jurídica à sociedade e esvaziar o Judiciário e não mais a entrega eficaz da jurisdição a cada indivíduo.

Isso me preocupa. Não pela ideia em si, mas pelo seu detalhamento. É que nele mora o perigo de uma possível degenerescência do princípio da celeridade e da sua relação com valores como o da justiça.

A celeridade não pode descambar para o açodamento, a precipitação e o afobamento. A pressa a qualquer preço não pode ser admitida. É que o Judiciário, para melhor desempenhar suas altas funções, deveria funcionar como um inteligente coletivo. E todo inteligente coletivo, como, aliás, todo e qualquer ser inteligente, precisa, para chegar à uma boa conclusão, de um tempo de reflexão adequado. Em outras palavras, para que uma jurisprudência se sedimente é necessário que todo o tempo do processo de sedimentação transcorra. Mas o processo pode ser acelerado? Pode, com o catalisador apropriado.

O incidente de coletivização apresenta-se como ferramenta para acelerar o processo de sedimentação da jurisprudência. Para isso, e para preservar as vantagens democráticas de uma inteligência coletiva (que é, afinal, o que confere força e consistência à jurisprudência) penso que os seguintes cuidados devem ser tomados no desenho da arquitetura do incidente de coletivização. Quais sejam:

  1. Não deveria existir somente um incidente de coletivização, mas um por cada região jurisdicional (estado ou região sob a jurisdição ordinária de um tribunal);
  2. A definição do que seria ações em massa deveria incluir previamente a indicação do percentual das ações no acervo global do Judiciário competente para a causa (a Justiça Federal ou a Justiça Estadual, por exemplo; poder-se-ia considerar, entretanto, causas locais, limitadas ao Estado federado ou Região). Também se poderia estabelecer um quantitativo absoluto mínimo desse acervo a partir do qual seria permitido ao juiz suscitar o incidente;
  3. Outrossim, dever-se-ia reunir no incidente todas as razões de direito já deduzidas, permitindo-se, ainda, que outras ingressem no transcurso do incidente;
  4. Deveria ser franqueada a participação no incidente de todos os magistrados de primeiro grau competentes para apreciar a matéria que desejassem exprimir seu entendimento e, de preferência, o entendimento majoritário é que deveria prevalecer;
  5. O incidente somente deveria subir aos tribunais de jurisdição ordinária se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa no primeiro grau;
  6. O incidente somente deveria subir aos tribunais superiores se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa nos tribunais de jurisdição ordinária;
  7. Participação obrigatória e ativa do Ministério Público no incidente como representante de grupos de pessoas físicas e como fiscal da lei;
  8. A execução da decisão do incidente transitada em julgado deveria ser feita no domicílio dos autores;
  9. Os honorários dos advogados que atuaram nas causas suspensas deveriam, se seu patrocinado se sair vencedor, ser executados no juízo do órgão jurisdicional a que foi distribuída a petição inicial e deveriam ser fixados na proporção do trabalho até então já realizado pelo causídico;
  10. Da mesma forma que no item anterior, as custas judiciais deverão ser executadas ao perdedor da lide pelo órgão judicial a quem coube a apreciação da petição inicial da ação suspensa; e
  11. Não haveria custas nem horários advocatícios no incidente.

São essas as considerações e sugestões que, por ora, me ocorreram.

ps: Retomo este blog hoje, depois de um ano e meio afastado, por força do incentivo recebido do advogado Gustavo D'Andrea, editor do blog Forense Contemporâneo, a quem agradeço.

 
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