23 de maio de 2008

Tribunal S.A.

Foi muito gratificante para mim encontrar o pequeno ensaio que se segue. Escrito pelo Desembargador Antonio Pessoa Cardoso, do Tribunal de Justiça da Bahia, e publicado no portal Migalhas em 20 de maio do ano corrente (clique aqui para ter acesso ao texto onde originariamente publicado), o texto impressionantemente se aproxima muito do que venho dizendo vez por outra neste espaço, com direito inclusive à menção da expressão "inteligência judiciária" relacionada à noção de inteligência coletiva. Parabéns, portanto, ao autor ilustre. Vamos ao texto então.

"Tribunal S/A

Antonio Pessoa Cardoso*

As empresas privadas diferenciam-se umas das outras na medida em que aumentam seus lucros, promovem crescimento dos seus patrimônios; já no âmbito do setor público, a eficiência e a credibilidade avançam de conformidade com a boa prestação de serviços.

Os Tribunais de Justiça dos Estados, integrantes de um dos poderes da República, o Judiciário, têm o encargo constitucional de oferecer serviços na área judicial ao cidadão, mas, para isto, obrigam-se a cuidar da administração de pessoas, da movimentação do dinheiro público, na aquisição de material permanente de consumo, na construção e reformas de prédios, enfim, na montagem e conservação de toda a estrutura funcional.

O aumento da população ativa, o crescimento das necessidades de consumo provocaram a procura de recursos tecnológicos, a massificação dos produtos e a padronização dos contratos; a informática apareceu e atendeu às necessidades dos bancos e das empresas de maneira geral. Os lucros aumentaram, mas as riquezas concentraram-se em mãos de poucos.

No Judiciário, os avanços tecnológicos ainda são pouco utilizados; as práticas tradicionais continuam como rotinas burocráticas do sistema e são responsáveis pelo emperramento da máquina, que impede o gerenciamento moderno de ocupar o espaço natural e compatível com a explosão do número de demandas. Enfrenta-se então a morosidade da justiça, originada também do uso abusivo e incontido do papel, provocando ainda danos ao meio ambiente, consistente no desmatamento de área aproximada de 400 hectares, no consumo de 1,5 milhão de metros cúbicos de água para a produção de 46 mil toneladas de papel para formalizar os mais de 23 milhões de processos todo ano.

Ninguém contesta a afirmação de que o congestionamento dos processos deve-se fundamentalmente à falta de gestão padronizada, apesar de atualmente reclamar-se de um magistrado a qualificação exigida para um bom empreendedor.

Os gestores do sistema, em sua maioria, são amadores, sem qualificação específica, pois aprendem a administrar, através da improvisação, no exercício da direção de um foro ou na chefia de um tribunal; e para escolha de seus dirigentes, os tribunais usam como critério a antiguidade, sem considerar o preparo para o exercício da gestão; reduzido número de magistrados de segundo grau, em torno de 10% dos que serão governados diretamente, formam o colégio eleitoral e apontam, dentre os mais antigos, os presidentes das Cortes para mandato de dois anos; não há preocupação alguma com a continuidade administrativa e as obras andam ou param, de conformidade com a vontade do mandante da vez.

Em países desenvolvidos, existe a figura do administrador judicial, profissional de carreira que gerencia as Cortes de Justiça. Registre-se que, no Brasil, já funciona, na área federal, o Centro de Estudos Judiciários de Conselho da Justiça Federal; na área estadual implanta-se, na Bahia, o Plano Diretor do Judiciário, planejamento para ação para os próximos dez anos. São ações que se prestam para imprimir técnica ao sistema. Junto a isto, o CNJ busca uniformização de procedimentos.

O gerenciamento de recursos materiais e humanos, voltado para servir ao cidadão, reclama habilidade na administração, qualidade um tanto difícil no meio de pessoas preparadas para julgar, porque sem formação acadêmica na área.

O Judiciário é, dentre todas as instituições, uma das mais antigas; além disto, para fazer parte dele, tornam-se indispensáveis conhecimentos teóricos, aferidos através de concursos públicos. Diante dessas exigências nada mais saudável do que se esperar do Judiciário a condição de empresa de ponta, apta para dar solução aos conflitos, conquistando a paz social na comunidade. Eventual crise nessa instituição provoca a derrocada do regime democrático.

A agilidade do Judiciário já não depende somente da falta de verbas ou da necessidade do aumento do número de juízes; a concepção admitida presentemente é de que inexiste gestão de orçamento, de pessoas, de processos, etc. Necessária a adaptação dos conceitos praticados pela empresa privada na administração da Justiça. O momento exige chamamento da inteligência judiciária e coletiva para socorrer e melhorar a prestação dos serviços judiciais. O povo já não aceita tais argumentações para justificar a lerdeza do sistema. Quer-se resultados.

A gestão inserida na movimentação dos processos contribuirá sobremaneira para agilidade. Pode-se, logo no recebimento dos processos, agrupá-los entre os que exigem diligências, a exemplo de manifestação de outro órgão ou de outra parte, os que reclamam documentação, os que possibilitam julgamento simultâneo, tarefa que pode e deve ser delegada. O julgador receberá os processos para conferir e julgar; outra forma seria a colocação em ordem cronológica de registro de entrada dos processos, de forma que não se deixe de decidir causas antigas somente por não serem procuradas; a Lei n. 11.672/2008, recursos repetitivos, é luz no meio da escuridão.

O atual presidente do Judiciário carioca, Des. José Carlos Murta Ribeiro, iniciou sua administração no ano passado, considerando o Tribunal de Justiça como uma grande empresa; para isto contratou a Fundação Getúlio Vargas para fazer o planejamento de como utilizar seus recursos, empreendendo controle na administração, gerindo os recursos materiais e humanos. O resultado foi a transformação da Justiça fluminense numa das mais rápidas e mais produtivas do país.

Anuncia-se que no Rio de Janeiro o tempo médio de julgamento de uma apelação é de 103 dias, contra cinco anos na maioria dos outros estados do país. Para isto, entretanto, há trabalho e fiscalização efetivas, a ponto de se anunciar que a direção do Tribunal “coloca os desembargadores para trabalhar”. No Rio, os desembargadores aposentados continuam prestando serviços ao Tribunal, orientando o trabalho dos novos juízes.

O Tribunal de Justiça do Rio, composto por 160 desembargadores, hoje são 180, julgou, no ano de 2007, mais de 145 mil recursos, com média de 906 por cada desembargador; inaceitável a disparidade estatística com outros tribunais, onde se julga, em média, anualmente, menos de um quarto desse número.

A partir deste ano, o CNJ terá um sistema virtual de acompanhamento do trabalho desenvolvido por todos os magistrados do país. Com isto, espera-se obtenção de maior produtividade na finalização dos processos.

O uso racional da energia, do papel, do transporte, do material de consumo, junto com a administração competente e transparente do pessoal e do orçamento, certamente, contribuirão para a credibilidade do Judiciário junto ao cidadão.

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*Desembargador do TJ/BA"

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ps: este ensaio repercutiu ainda mais, clique aqui para saber quem, além do Migalhas, o publicou.

10 de maio de 2008

Lei 11.672, esboço de uma contribuição à sua implementação

Foi publicada ontem, 6ª feira, dia 9 de maio, a Lei 11.672 que trata da agilização do trâmite de recursos repetitivos no âmbito dos Tribunais de Justiça (TJs), dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa lei pretende solucionar o problema abordado no meu escrito intitulado Superior Tribunal de Justiça, 3º grau de jurisdição?, para tanto acrescenta o art. 543-C ao Código de Processo Civil. O dispositivo acrescentado está assim redigido:

“Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo.

§ 1º Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça.

§ 2º Não adotada a providência descrita no § 1o deste artigo, o relator no Superior Tribunal de Justiça, ao identificar que sobre a controvérsia já existe jurisprudência dominante ou que a matéria já está afeta ao colegiado, poderá determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida.

§ 3º O relator poderá solicitar informações, a serem prestadas no prazo de quinze dias, aos tribunais federais ou estaduais a respeito da controvérsia.

§ 4º O relator, conforme dispuser o regimento interno do Superior Tribunal de Justiça e considerando a relevância da matéria, poderá admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia.

§ 5º Recebidas as informações e, se for o caso, após cumprido o disposto no § 4º deste artigo, terá vista o Ministério Público pelo prazo de quinze dias.

§ 6º Transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

§ 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem:
I - terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou
II - serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça.

§ 8º Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial.

§ 9º O Superior Tribunal de Justiça e os tribunais de segunda instância regulamentarão, no âmbito de suas competências, os procedimentos relativos ao processamento e julgamento do recurso especial nos casos previstos neste artigo."


Considero que a iniciativa constitui-se em uma excelente solução jurídica para a questão do decesso do judiciário. Entretanto, também considero que a sua implementação é um ponto crítico que necessita ser superado. Sensível a essa realidade é que, dentro dos meus limites, apresento o seguinte esboço de contribuição.

Tomemos o esquema abaixo (clique na imagem para vê-la ampliada) em que representada a minha contribuição:



O caput do dispositivo prevê a hipótese de incidência da norma, qual seja, "quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito", logo é necessário que haja em cada tribunal de 2º grau instrumentos hábeis para a detecção das causas repetitivas e, mais, como a mesma argumentação de direito. Assim, não basta que os recursos versem sobre as mesmas questões legais, mas a argumentação de cada parte seja a mesma, ou seja, que versem sobre a mesma questão jurídica e que pretenda dar a ela, por idênticas razões, o mesmo tratamento jurídico.

Vamos por partes. Primeiro a detecção de causas repetidas acerca da(s) mesma(s) questão(ões) jurídica(s). Nesse ponto é fundamental que o tribunal tenha controle sobre o seu acervo, que tenha como saber quais e quantos autos referem-se a uma dada questão. Um bom instrumento para isso são as tabelas de assuntos e os softwares de gerenciamento de acervo com base no cadastramento dos autos de acordo com as tabelas de assunto e de movimentação processual. [setas laranjas]

O ideal aqui é que se adotasse uma tabela (taxonomia) única, como a desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e, até agora, implantada tão-somente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), clique aqui para ler a notícia. A tabela única é importante porque permitirá aos ministros relatores do STJ, com o compartilhamento das bases de dados, identificar, antes mesmo da controvérsia subir, se há recursos repetitivos sendo interpostos nos tribunais de segundo grau, podendo, desse modo, tomar, se for o caso, a providência da determinação da suspensão nos tribunais de 2º grau dos recursos que tenham por objeto tais controvérsias (§2º). [setas pontilhadas]

Há, entretanto, um complicador. Também é necessário uma taxonomia e um software para gerenciar as razões de direito dos autos que têm a mesma classificação na tabela de assuntos. Isso é importante, porque se houver uma tese diferente das que foram postas reiteradamente, ela deve ser apreciada pelo STJ. É importante também para a seleção dos autos mais representativos, ou seja, os que abranjam todas as razões deduzidas. [setas verdes] Outra vantagem que diviso para essa taxonomia é que os precedentes do STJ poderiam, uma vez também por essa taxonomia classificados, filtrar, se integrado com os bancos de teses dos demais tribunais, os recursos repetitivos existentes no 2º grau de todo o país quase automaticamente. [seta azul]

Isso foi o que me ocorreu neste primeiro momento acerca da implementação da Lei 11.672. Até a próxima.

 
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