21 de janeiro de 2007

O Conselho Nacional de Justiça e o Decesso do Judiciário

melhor visualizado no Firefox.

Publico aqui outro trabalho meu, apresentado em curso que fiz sobre a Emenda 45 .


O Decesso do Judiciário

e o Conselho Nacional de Justiça
- setembro de 2005 -


1. O Decesso do Judiciário[1] e a Gestão dos Órgãos Jurisdicionais

Estabelece o novel inciso LXXVIII do art. 5o da Constituição da República introduzido pela Emenda Constitucional 45, in verbis:

"Art. 5º (...)

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Dessa forma, ficou explicitado o conceito que se subsumia no texto constitucional; para uns, na cláusula do devido processo legal (art. 5o, LIV), para outros, na do acesso ao Judiciário[2] art. 5º, XXXV.

A cláusula do devido processo legal encontra-se umbilicalmente ligada à presteza e à eficiência da jurisdição pelas idéias de proporcionalidade e razoabilidade. É inconcebível que se possa subtrair de alguém a liberdade ou seus bens por meio de um processo kafkanianamente longo. A longa duração do processo vai, por si , de encontro à idéia do devido processo legal.

Por seu turno, o art. 5º, XXXV fixa que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Pois bem, a apreciação pelo Poder Judiciário da lesão ou ameaça a direito é veiculada pelo processo. Se o processo não estiver disposto de modo a viabilizar a outorga da tutela inibitória àquele que a ela tem direito, certamente estará negando o direito fundamental à tutela jurisdicional. Nesse ponto entra a duração do processo. Se autor e réu precisam de tempo para receber a definição acerca do bem da vida pelo qual litigam, é corolário desse raciocínio que a apreciação judiciária da lesão e ameaça a direito será tanto mais efetiva quanto mais rápida for. Nessa toada, dizia Carnnellutti que justiça lenta não é justiça. Assim, garantir o acesso à Justiça é garantir um processo rápido e efetivo. [3]

Desse modo, não fosse o pendor do brasileiro de somente acatar o que está expressamente escrito, a Emenda 45 teria feito chover no molhado.

Entretanto, por trás dessa declaração explícita de direito à presteza da jurisdição, há todo um movimento político, iniciado entre nós em 1985 com a deflagração do Movimento das Diretas , que teve como um de seus momentos mais altos o restabelecimento do regime democrático, concomitantemente com a promulgação da Constituição de 1988.

A Constituição de 1988 recebeu o cognome de Cidadã não foi à toa. O epíteto denota bem o conjunto de aspirações que com ela se sobrelevaram. O sonho de um país justo, revigorado com a Nova República, contava mais uma vez com uma Carta que acenava com a possibilidade da sua efetiva realização. Os Poderes da República foram uma vez mais devidamente separados, tornados independentes e exortados a desempenharem suas funções em harmonia. No sistema da tripartição dos poderes, cabe ao Judiciário, como sabido, a tarefa de dizer o direito aplicável ao caso concreto e, com isso, levar paz à sociedade. Afinal, sem um Poder Judiciário independente e eficaz jamais se poderá realizar satisfatoriamente o Estado de Direito[4].

Nesse passo, no afã de realizar a justiça, construiu-se a teoria do atingimento da ordem jurídica justa, na qual o acesso à Justiça tem papel fundamental. se pode atingir a almejada ordem justa se se tiver amplo acesso ao Poder Judiciário, uma vez que é a ele que se recorre, em última instância por força do monopólio estatal da jurisdição, para a realização do direito.

Com isso abriram-se as portas de entrada da Justiça e o convite foi sofregamente aceito por uma multidão de cidadãos que queria ver realizada a justiça no seu caso particular. Desse modo, as estatísticas do Poder Judiciário fizeram crescer e os processos passaram a durar mais. Intensificou-se, então, o discurso acerca da necessidade de uma saída mais rápida do cidadão/jurisdicionado do aparelho judiciário. Saída necessária para a obtenção de um Poder Judiciário eficaz e, em conseqüência, como dito, da realização do Estado de Direito. Necessária principalmente para, de um acesso garantido ao Poder Judiciário, chegar-se a um acesso garantido à Justiça substancial.

A reboque, vieram as microrreformas da legislação processual. De 1992 até hoje foram editadas 21 leis com esse desiderato. Portanto, muito se fez no campo processual e muito ainda se fará: hoje temos 23 projetos de lei tramitando nas duas Casas do Congresso Nacional com vistas ao aperfeiçoamento da legislação processual e à sua adequação à reforma procedida no Poder Judiciário pela Emenda 45.

Contudo, não podemos imputar a morosidade do Poder Judiciário somente à questão processual. Um outro fator, por muito tempo relegado e que começa a receber a devida atenção, tem igual peso. É o problema da gestão administrativa da prestação do serviço jurisdicional levada a termo pelos Juízes. Assim também pensa, entre outros, Francisco Pedro Jucá, que identifica dois problemas básicos abatendo-se sobre o Judiciário: o primeiro, de gestão; o segundo, de lentidão[5]. Sendo que divisamos uma relação direta e estreita entre eles. Nesse passo, é curial a citação a William Douglas Resinente dos Santos:

“... apesar de em geral se falar enormemente na atividade jurisdicional (própria), a ineficiência do terceiro sistema [o administrativo] resulta na inoperância do segundo [o processual]. Logo, e paradoxalmente, a atividade administrativa pode assumir grandeza axiológica comparável à atividade principal. Tanto quanto o processo é instrumento do direito material, a atividade administrativa é instrumento da jurisdicional. Instrumental do instrumental, mas não menos importante. Como afirmamos, em grande parte é à pobreza organizacional que se pode imputar a morosidade da jurisdição.”[6]

Por conseguinte, “é fundamental agregar à cultura da organização judiciária a idéia de que esta é perpassada também por problemas gerenciais que, se enfrentados, resultarão em significativos ganhos institucionais”[7].

Pierpaolo Cruz Bottini, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, também prioriza esse aspecto da disfunção do sistema judiciário:

“O principal problema do Judiciário hoje se encontra na gestão. Não se quer, com isso, afastar a relevância de outros gargalos que dificultam a atividade de prestação jurisdicional, como a legislação processual, que deve ser reformulada a fim de suprimir entraves na tramitação processual, sem ferir os instrumentos de contraditório e ampla defesa. Porém, é necessário ressaltar a insuficiência de qualquer reforma legislativa diante de um sistema de gestão da Justiça lento e ultrapassado, que mantém procedimentos burocráticos desnecessários, responsáveis pela procrastinação de feitos e resultados.”[8]

Há, inclusive, quem aponte com a devida autoridade que o Brasil estaria encerrando a fase dos consertos legislativos e institucionais e ingressando numa fase de gerenciamento de recursos humanos, tecnológicos e financeiros:

Conscientementeque abrir [o Brasil] espaço a uma fase modernizadora, onde se combinem pessoas e orçamento empenhados em conseguir uma mudança substantiva de gestão que supere os sintomas principais da crise, tais como a congestão, morosidade e o alto custo de acesso ao sistema constitucional de prestação jurisdicional.”[9]

Dessa forma, o decesso do Judiciário é mais que o equacionamento e solução de um problema de celeridade processual. Tomando-se aqui a celeridade processual como referente à parte jurídico-processual do problema. A idéia de decesso do Judiciário tem maior amplitude. Também abarca a gestão administrativa dos órgãos encarregados da prestação jurisdicional.

Nesse aspecto é que surge como alvissareira inovação a instituição do Conselho Nacional de Justiça como órgão de governo do Poder Judiciário.

2. O Conselho Nacional de Justiça como Órgão de Governo do Poder Judiciário e o seu Papel no Decesso do Judiciário

Como visto, a gestão competente do aparelho judiciário é conditio sine qua non para a concretização da presteza da jurisdição e do conseqüente acesso à Justiça Substancial. Portanto é mister, segundo as teorias da ciência da administração[10], que haja um norte, uma orientação de fundo unificada que indique os objetivos a ser perseguidos por toda a organização, ou seja, uma estratégia. Esse é o papel principal a ser desempenhado pelo Conselho Nacional de Justiça.

Para que isso ocorra, as deliberações do Conselho Nacional de Justiça devem revestir caráter vinculador, ou seja, devem ser obrigatoriamente observadas por todos os órgãos componentes do Poder Judiciário, sob pena de inviabilizar a missão constitucionalmente atribuída àquele órgão.

Pode-se indagar da legitimidade da atuação do Conselho Nacional de Justiça nesses moldes, mas ela é dada pelo inciso II do § 4º do art. 103-B da Constituição, quando determina que deve zelar pela observância do art. 37, in verbis:

art. 103-B (...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União; (grifei)

Por sua vez, é a seguinte a dicção do caput art. 37:

“Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” (grifei)

O ponto é justamente o zelo que o Conselho Nacional de Justiça deverá observar pela eficiência da administração do Poder Judiciário. Segundo o Dicionário Houaiss Eletrônico da Língua Portuguesa, 3a acepção, eficiência é a

virtude ou característica de (uma pessoa, um maquinismo, uma técnica, um empreendimento etc.) conseguir o melhor rendimento com o mínimo de erros e/ou de dispêndio de energia, tempo, dinheiro ou meios”.

Como observa Robertônio Santos Pessoa:

Embora nem sempre o conteúdo jurídico de um princípio ou palavra seja equivalente à sua conotação vernacular, poder-se-ia dizer que, estando submetida ao princípio da eficiência, a atividade administrativa dos órgãos e entidades públicas deve ser uma atividade eficaz, ou seja, deve produzir o efeito desejado, deve dar bons resultados. (...) pode-se dizer que as condutas e decisões administrativas devem buscar o melhor resultado na resposta às demandas públicas, a solução ótima, parafraseando aqui o insigne Celso Antônio Bandeira de Melo.”[11]

Sendo assim, o Conselho Nacional de Justiça, por ser o órgão administrativo máximo da estrutura do Poder Judiciário, poderá imiscuir-se no mérito administrativo dos atos emanados dos órgãos a ele inferiores. Isso porque o controle exercido pelo Conselho Nacional de Justiça não é judicial. Sua natureza jurídica é de direito administrativo e advém, como se pode depreender do texto da emenda constitucional, do poder hierárquico-administrativo que exerce sobre o Judiciário.

3. Conclusão

Assim, ao contrário do que pode transparecer de uma primeira leitura do texto da Emenda 45, “a importância do Conselho Nacional de Justiça não decorre de suas competências disciplinares, ou de sua capacidade de aplicar sanções diversas aos magistrados descumpridores dos preceitos normativos que regem a carreira e sim da sua vocação para dinamizar a gestão do Poder Judiciário e possibilitar a integração dos sistemas judiciais do país, facilitar a prestação jurisdicional e garantir a transparência dos órgãos públicos que desempenham tarefas judicantes” [12].

A ele deverá tocar o estabelecimento de uma missão, de uma visão e de um planejamento estratégico únicos para o Judiciário e o papel de catalisador e de centro irradiador das melhores práticas administrativas existentes para que se torne factível no Brasil o ideal de um Poder Judiciário moderno e célere.

________________________________________________

[1] Preferimos o termo decesso do Judiciário ao termo decesso da Justiça para não confundir o fim (Justiça) com um dos meios (Poder Judiciário) de alcançá-lo.

[2] Nossa preferência pela expressão acesso ao Judiciário à expressão acesso à justiça dá-se pelos mesmos motivos declinados na nota anterior.

[3] Parágrafo elaborado com subsídios de Luiz Guilherme Marinoni in O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva dos direitos fundamentais, Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5281>. Acesso em: 26 set. 2005 .

[4] Augusto Zimmermann, apud Francisco Pedro Jucá, in Reforma do Judiciário – Algumas Reflexões. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 17.

[5] Francisco Pedro Jucá, in Reforma do Judiciário – Algumas Reflexões. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 19

[6] William Douglas Resinente dos Santos, apud Flávio Dino, in O Conselho Nacional de Justiça: Missões e Primeiros Passos. Disponível em < st="on">com.br/art_publicados.php?chave=73>, acesso em 25/09/2005.

[7] Flávio Dino, in O Conselho Nacional de Justiça: Missões e Primeiros Passos. Disponível em < st="on">com.br/art_publicados.php?chave=73>, acesso em 25/09/2005.

[8] Pierpaolo Cruz Bottini, in Os Desafios do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em < st="on">migalhas.com.br/mostra_noticia_articuladas.aspx?cod=16081>, acesso em 25/09/2005.

[9] Fuentes Hernández, apud Pietro de Jesús Lora Alarcón, in Reforma do Judiciário e Efetividade da Prestação Jurisdicional. Reforma do Judiciário, analisada e comentada. São Paulo: Método, 2005, p. 30.

[10] Paulo de Vasconcelos Filho & Dernizo Pagnoncelli, Construindo estratégias para competir no século XXI, Rio de Janeiro: Elsevier, 2001, p.289/298.

[11] Robertônio Santos Pessoa in Princípio da eficiência e controle dos atos discricionários . Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 35, out. 1999. Disponível em: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=342>. Acesso em: 26/09/2005.

[12] Pierpaolo Cruz Bottini, op. cit.

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado pela cortesia e visitar meu espaço. Verdadeiramente fiquei muito satidfeito com o conteúdo do seu blog, tanto que o linkei no meu.
Fico feliz em ter estimulado o nascimento de uma idéia para um futuro texto seu. Ficarei no aguardo para poder lê-lo e opinar sobre...
Um abraço!

 
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