3 de julho de 2008

Algumas reflexões acerca da restrição de acesso aos autos eletrônicos

Como bem notou Yuri Paulino de Miranda, Secretário da Corregedoria-Geral da Justiça do Tribunal de Justiça da Paraíba, no artigo "A restrição de acesso aos autos digitais e a proteção à intimidade", publicado no portal do Conselho Nacional de Justiça - CNJ (clique aqui para ler a íntegra do artigo), vivemos um novo tempo. Ele nomeou este tempo, citando Patrícia Peck Pinheiro, de Sociedade Digital e enfatizou o seu caráter de Sociedade da Informação. Vejo aí um equívoco, nosso tempo não é caracterizado pela prevalência do bem informado sobre o mal informado. Sua característica principal, a meu ver e uma vez que a informação é abundante, repousa no conhecimento e na criatividade, logo, os principais ativos hoje em dia. Nesse cenário, quanto mais informações circulando melhor.

A circulação multidirecional de informação é que começa a esboçar no campo da realidade o conceito de Aldeia Global forjado pelo sociólogo canadense Marshall McLuhan em meados do século XX. Por óbvio que a formação dessa aldeia não está se dando sem conflitos. Mas que bom seria para a democracia que os processos transcorressem publicamente em uma espécie de Ágora, como a Ateniense no século de Péricles.

No que diz respeito ao nosso Poder Judiciário propriamente dito, ou mais espeficificamente aos autos eletrônicos, o aumento da acessibilidade das informações processuais pela sociedade pode representar, se não for absolutamente restringida, a realização de verdade do princípio da publicidade. Esse fenômeno constitui, entre outras iniciativas, uma bela oportunidade de engendrar-se uma abertura real do Judiciário à sociedade. Isso levando-se em conta que a publicidade dos atos processuais tem uma enorme importância política, uma vez que é por meio dela que a sociedade exerce a necessária fiscalização sobre o Poder Judiciário e por ser pelo influxo desse princípio que Ele (O Poder Judiciário), que não conta com o escrutínio das urnas para a escolha de seus membros, extrai a sua legitimidade. Desse modo o acesso aos autos eletrônicos deve ser mitigada ao mínimo possível.

O máximo que se pode fazer é, em alguns casos, manter sob sigilo a identidade da parte litigante, seu domicílio, números do registro geral e do CPF, mesmo assim, se a parte manifestasse interesse nesse sentido. Mas as provas, os testemunhos dados, os atos processuais, as peças processuais, os pareceres e as decisões devem manter-se de livre acesso.

Por óbvio, entre esses casos não podem estar os agentes políticos do Estado, tais como magistrados, parlamentares e chefes do Poder Executivo e o seu staff direto, como Ministros e Secretários Estaduais e Municipais, desde que o processo refira-se às suas atividades de homens públicos ou cujos nomes, mesmo sem serem partes, mas na condição de homens públicos, constem do processo como o do magistrado que o preside ou do membro do Ministério Público que atue nos autos ou daqueles que, nessa condição, sirvam de testemunha. Também devem manter-se sem restrição as ações que versem sobre interesse público, as ações populares, as ações civis públicas e demais processos envolvendo interesses coletivos.

Nesse passo, a decisão do CNJ de restrigir o acessos aos autos eletrônicos eletrônicos por ele apreciados às partes e a seus advogados (ver notícia aqui ) representa, a meu ver, um retrocesso, uma vez que os processos lá apreciados, mesmo que revestidos de cariz administrativo, são, por terem por objeto o controle da atividade jurisdicional, de interesse público inequívoco. A decisão enfraquece, desse modo a própria legitimidade do Poder Judiciário cuja missão do CNJ é por ela zelar.

Bem pior é a tendência, apontada e praticamente defendida pelo artigo acima citado, da extensão da restrição a todo e qualquer processo, judicial ou administrativo. Até bem pouco tempo atrás, a publicidade do processo era alardeada aos quatro cantos, mas era impossível o seu compulsamento por todos os cidadãos interessados. Terá sido isso uma falácia? Agir de modo diverso agora, vai dar a parecer que o processo sempre serviu, serve e servirá para encobrir o que, por ser escuso, estar dentro de uma caixa preta, deve, por interesses ilegítimos, manter-se encoberto.

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