5 de janeiro de 2010

O anteprojeto do novo CPC (Código Fux) e o incidente de coletivização - uma sugestão contra a degenerescência do coletivo inteligente e do princípio da celeridade processual


revisto e acrescido em 24/01/2010

No último dezembro, o presidente da comissão encarregada de elaborar o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, Ministro Luiz Fux, entregou ao presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, o resultado da primeira fase do trabalho desenvolvido. Trata-se de uma lista com os tópicos considerados fundamentais pela comissão (ver aqui, em formato .pdf).

A comissão, conforme o texto de abertura da sua página hospedada no portal do Senado, tem por objetivo "trazer a lume um novel Código de Processo Civil, voltado para a crise da morosidade da justiça". Para tanto, aposta, num primeiro momento, "na coletivização das demandas como regra" (idem). Como meio de implementação da coletivização, o presidente da comissão, na mensagem que encaminhou a lista de tópicos, sugeriu

"(...) a instituição de um incidente de coletivização dos denominados litígios de massa, o qual evitará a multiplicação das demandas, na medida em que suscitado o mesmo pelo juiz diante, numa causa representativa de milhares de outras idênticas quanto à pretensão nelas encartada, imporá a suspensão de todas, habilitando o magistrado na ação coletiva, dotada de amplíssima defesa, com todos os recursos previstos nas leis processuais, proferir uma decisão com amplo espectro, definindo o direito controvertido de tantos quantos se encontram na mesma situação jurídica, plasmando uma decisão consagradora do principio da isonomia constitucional."

Portanto, com a criação do incidente de coletivização, forja-se também um novo conceito para o princípio da celeridade, que não mais estaria ligado à lide individual, mas ao conjunto delas, e cujo objetivo passaria a ser promover segurança jurídica à sociedade e esvaziar o Judiciário e não mais a entrega eficaz da jurisdição a cada indivíduo.

Isso me preocupa. Não pela ideia em si, mas pelo seu detalhamento. É que nele mora o perigo de uma possível degenerescência do princípio da celeridade e da sua relação com valores como o da justiça.

A celeridade não pode descambar para o açodamento, a precipitação e o afobamento. A pressa a qualquer preço não pode ser admitida. É que o Judiciário, para melhor desempenhar suas altas funções, deveria funcionar como um inteligente coletivo. E todo inteligente coletivo, como, aliás, todo e qualquer ser inteligente, precisa, para chegar à uma boa conclusão, de um tempo de reflexão adequado. Em outras palavras, para que uma jurisprudência se sedimente é necessário que todo o tempo do processo de sedimentação transcorra. Mas o processo pode ser acelerado? Pode, com o catalisador apropriado.

O incidente de coletivização apresenta-se como ferramenta para acelerar o processo de sedimentação da jurisprudência. Para isso, e para preservar as vantagens democráticas de uma inteligência coletiva (que é, afinal, o que confere força e consistência à jurisprudência) penso que os seguintes cuidados devem ser tomados no desenho da arquitetura do incidente de coletivização. Quais sejam:

  1. Não deveria existir somente um incidente de coletivização, mas um por cada região jurisdicional (estado ou região sob a jurisdição ordinária de um tribunal);
  2. A definição do que seria ações em massa deveria incluir previamente a indicação do percentual das ações no acervo global do Judiciário competente para a causa (a Justiça Federal ou a Justiça Estadual, por exemplo; poder-se-ia considerar, entretanto, causas locais, limitadas ao Estado federado ou Região). Também se poderia estabelecer um quantitativo absoluto mínimo desse acervo a partir do qual seria permitido ao juiz suscitar o incidente;
  3. Outrossim, dever-se-ia reunir no incidente todas as razões de direito já deduzidas, permitindo-se, ainda, que outras ingressem no transcurso do incidente;
  4. Deveria ser franqueada a participação no incidente de todos os magistrados de primeiro grau competentes para apreciar a matéria que desejassem exprimir seu entendimento e, de preferência, o entendimento majoritário é que deveria prevalecer;
  5. O incidente somente deveria subir aos tribunais de jurisdição ordinária se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa no primeiro grau;
  6. O incidente somente deveria subir aos tribunais superiores se houvesse divergência jurisprudencial quantitativamente significativa nos tribunais de jurisdição ordinária;
  7. Participação obrigatória e ativa do Ministério Público no incidente como representante de grupos de pessoas físicas e como fiscal da lei;
  8. A execução da decisão do incidente transitada em julgado deveria ser feita no domicílio dos autores;
  9. Os honorários dos advogados que atuaram nas causas suspensas deveriam, se seu patrocinado se sair vencedor, ser executados no juízo do órgão jurisdicional a que foi distribuída a petição inicial e deveriam ser fixados na proporção do trabalho até então já realizado pelo causídico;
  10. Da mesma forma que no item anterior, as custas judiciais deverão ser executadas ao perdedor da lide pelo órgão judicial a quem coube a apreciação da petição inicial da ação suspensa; e
  11. Não haveria custas nem horários advocatícios no incidente.

São essas as considerações e sugestões que, por ora, me ocorreram.

ps: Retomo este blog hoje, depois de um ano e meio afastado, por força do incentivo recebido do advogado Gustavo D'Andrea, editor do blog Forense Contemporâneo, a quem agradeço.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito salutares suas preocupações, acredito que a celeridade seja uma consequência do devido processo legal e não o norte, pois este sempre deverá ser a JUSTIÇA.

Poderia informar por gentileza qual o artigo do então projeto que trata do incidente de coletivização?

Rubens
rubens_t@hotmail.com

Unknown disse...

Rubens,

o incidente de coletivização foi tratado no PL 166/2010 (PL do Novo CPC) no Capítulo VII (Do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas), Título I (Dos Processos nos Tribunais), do Livro IV (Dos Processos nos Tribunais e dos Meios de Impugnação das Decisões Judiciais), arts. 895 a 906.

O meu muito obrigado e as minhas cordiais saudações.

 
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